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26/11/2022 às 08h00min - Atualizada em 26/11/2022 às 08h00min

A Descoberta do Outro

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Existem alguns livros que são descobertas fascinantes. Há aqueles que despertam em nós os mais belos e valorosos sentimentos; chega-se a desejar “viver” o livro, penetrar e experienciar as linhas escritas, se teletransportar para dentro daquelas páginas. Gostaria eu, inclusive, de permanecer por semanas discorrendo acerca de determinadas obras; não que o editor me proíba, mas se me detiver em obras específicas por demasiado tempo, acabaremos por deixar de mencionar outras tantas com o mesmo impacto. E a vida urge, não por pressa apenas, mas para vivê-la.

Falo hoje, mais uma vez, de Gustavo Corção, e seu primeiro livro, publicado em 1944, “A Descoberta do Outro”. Nele, o escritor conta o seu processo de conversão ao catolicismo, com várias histórias de vida belíssimas e algumas passagens em que encontra as belezas da Igreja no dia a dia, mostrando como a religião e nossa vida são uma coisa só.

É incrível como um escritor da altura de Corção é “deixado” de lado na literatura brasileira, talvez “apenas” por defender e enaltecer os dogmas da Igreja Católica. Sabemos que existe uma corrente majoritária, e muitas vezes inibidora das contrárias, que não favorece aqueles que pensam de modo distinto, mas isso só faz com que o nível intelectual das publicações apenas diminua, ao invés de promover o crescimento da cultura no país.

Nessa “primeira” parte do livro, Corção conta alguns causos, pequenos, e como ele mesmo diz, talvez até sem importância, mas que demonstram que o cristianismo está definitivamente presente em todas as coisas, até mesmo nas mais insignificantes ocasiões dos nossos dias. Fala também sobre a influência que recebeu ao ler os livros de Chesterton e Martain.

Ao narrar algumas situações simples que lhe acontecem durante seus dias, que a princípio parecem não haver conexão alguma com o propósito do livro, o escritor percorre a parte comum de nossa vida, onde muitas vezes não conseguimos perceber Beleza, justamente por se tratar de situações corriqueiras e “normais”, e nos mostra que até nas pequenas trivialidades Deus está presente. Faz uma preparação ao longo das primeiras páginas, para a ideia de que existe sim um algo certo, uma “resposta certa”, por exemplo, quando trata sobre a questão da opinião e do gosto.

“Já ouvi dizer, inúmeras vezes, que gosto não se discute. Ultimamente disseram-me essa frase, que bem figuraria entre as proclamações do direito do homem, a propósito da obra de Machado de Assis e da pintura de Picasso. Estou pronto a concordar que gosto não se discute quando se trata de pratos. Custa-me um pouco, mas reconheço a perfeita legitimidade do gosto pela beterraba. No que concerne à pintura de Picasso ou aos livros de Machado, compreende-se ainda uma certa relatividade na simpatia temperamental, um gosto, mas não posso concordar que o juízo sobre tais coisas se reduza a esse elemento da ordem do sensível. Seria a última concessão da inteligência: a submissão aos sentidos.” 

Entra assim no campo dos “achismos” e deixa a resposta clara de que não é a nossa opinião que caracteriza ou que dá forma à vida, e mais a frente, à religião, mas sim que essas já são. Alguma coisa – e o catolicismo entra nesse espectro – não é apenas o que pensamos que seja, mas sim que existe uma objetividade no mundo e que nem tudo é dotado de relatividade, inclusive a Beleza. 

“Direi apenas que sentia levantar-se em mim um senso de objetividade, uma nova consciência voltada para fora e um princípio de confianças na salvação que só poderia vir de fora”.
A assertividade com que Corção narra sua história, e a clara influência de alguns escritos, como por exemplo, de Santo Agostinho, quando começa a delinear que a nossa vida não pode ser apenas o que vemos aqui, e que realmente existe uma complementação, uma completude, que necessita vir de cima para que sejamos saciados, faz com que surja a reflexão sobre nossas dificuldades e seus propósitos. É como se tudo o que acontecesse conosco fosse dotado de um fim, uma finalidade que escapa ao nosso entender. Mesmo assim, através de “frestas”, é possível, como ele escreve brilhantemente, perceber que existe uma Verdade única.

“E então? Estamos sempre na mesma: nossos problemas nos afligem e o mundo só nos oferece remédios inumanos ou desumanos. De um lado tenta nos reduzir a uma categoria chata para caber na chatice das teorias, de outro lado nos incita a sermos super-humanos para que resolvamos os problemas ultrapassando-os. Mas, a carne humana se aflige e chora, os problemas doem cada vez mais e não nos parece fácil abandonar nossa natureza para atingir a salvação; queremos, ao contrário, que uma salvação desça em nossa natureza. Ninguém quer ser chato, e o espírita mais entusiasta não deseja, sinceramente, ser fantasma.”

Caminha, assim, para a segunda parte da obra e as revelações que lhe ocorreram sobre aquilo que devemos ser, a luz que necessitamos emanar, enquanto habitantes desse mundo...

A Descoberta do Outro, Gustavo Corção. 


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.






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