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17/11/2022 às 08h00min - Atualizada em 17/11/2022 às 08h00min

Processo de valorização

IVONE ASSIS
Há 10 anos, duas vezes por semana, apresento meu ponto de vista sobre a literatura em dois diferentes veículos de comunicação. A literatura faz parte de meu histórico acadêmico e profissional e, embora tenha estudado teoria e crítica, creio que não passo de resenhista, haja vista o leitor esteja cada vez mais ávido de textos curtos. Não me refiro aos meus pontos de vista literários, porque estes são feitos para a brevidade do tempo, mas, sim, refiro-me às escritas acadêmicas, no geral, que vêm mais rasas, acompanhando a pressa do sujeito digital.

Como afirma Leila Perrone-Moisés, em “Que fim levou a crítica literária?” (2000, p. 237-8), a crítica se encontra em estado de agonia, em “em vias de desaparecimento”. No limiar entre modernidade e pós-modernidade, “A crítica foi uma atividade muito exercitada e muito respeitada nos tempos modernos [...]. em tempos ditos pós-modernos, ela anda um pouco anêmica, reduzida ao rápido resenhismo jornalístico, necessário, mas não suficiente”. Antes de chorar, ri alto com isso, pois, agora, mais ainda, estamos fadados aos influencers. Uma verdade ácida, que esquenta nossos neurônios, mas ninguém tem coragem de falar. Perrone-Moisés é dessas autoras que tem autonomia em seu saber e não faz curva com a palavra. Esse estágio mortiço e moribundo, que evidencia o desaparecimento da crítica, segundo Perrone, deve-se ao fato de que “[...] não pode existir crítica literária se não houver [...] um cânone de referência”. (p. 341).

Na geração live e podcast, pouco exploramos o “conjunto de valores estéticos reconhecidos”, pouco lemos e/ou aprofundamo-nos nos “cânones de referência”, logo, fica um vazio que que a autora chama de “conceito forte de literatura”, então, o que está sendo apresentado para a formação da crítica? Quanto mais ausente é o conhecimento, mais próximo é o enterro da crítica. Há tempos se iniciou esse processo fúnebre da crítica, mas, afinal, para que precisamos desse “julgamento”? Diariamente, milhares de novos livros são lançados no mercado, com ou sem crítica. E há quem os lê. Todos querem ser lidos, e não julgados.

O que me inquieta é que sem crítica pouco se evolui (se evoluir). Vejo hodiernamente autores confiarem suas revisões textuais ao software Word, sem pestanejar. É cada vez mais comum “profissionais de editoria” unicamente com “formação técnica” em aplicativos de design gráfico.

Sílvio Romero, polêmico por suas críticas incisivas, sempre cobrou a importância de se mostrar a realidade cultural do Brasil nas escritas, sobretudo por sermos diversos em raça, cultura, formação e outros. Não estou a defender e nem a condenar métricas, formalismos, valorizações... as influências fazem as formações dos povos. E a mutação na forma de pensar é parte do ciclo natural de todo processo criativo e evolutivo. O que atrofia o pensamento é, sem exagero, o fraco conhecimento do lado de dentro da janela (a ciência) e do lado de fora da mesma janela (a vivência), bem como os extremismos de ambas as partes. Na mesma proporção que a Academia se fecha na valoração de seus devotos, a cultura se fecha na valoração de seus seguidores. É como se houvesse duas literaturas, o que é, a meu pensar, uma insanidade.

Fato que se evidencia mais ainda quando olhamos quem (não o que) é publicado nas editoras das universidades e o que (não quem) é publicado nos editais de cultura do país. Sinto muito se pareço mais apta ao desequilíbrio crítico, pendendo-me talvez à fraqueza da queixa, em vez de simplesmente, ser mais inventiva. Por certo, falta-me o domínio filosófico que me valide na ciência, ou que me absolva do ridículo.

Como diria José Veríssimo, talvez por “inópia intelectual” minha, ainda me apego ao meu gosto provinciano, e ao meu tolo desejo de cautela com a palavra. Não sei se em uma análise comparada esses dois pratos, juntos, seriam digestos.

A crítica literária pede imaginação ao mesmo tempo em que o trabalho de produção pede profissionalismo, nesse processo de valorização.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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