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12/11/2022 às 08h00min - Atualizada em 12/11/2022 às 08h00min

A Educação da Vontade

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Muitos “especialistas” têm falado ultimamente sobre regras e métodos de como desenvolver nossa inteligência. Desconfio logo de cara quando é assim. Primeiro porque não existe uma regra para isso, e sim talvez um caminho, com vários princípios; segundo que nem sempre um conhecimento técnico significa necessariamente inteligência, e assim, é preciso separar o “joio do trigo”.

Vendem técnicas antigas como se fossem novas, mas com a diferença de que nessas “novas” fases de desenvolvimento, você não precisa fazer muita coisa, apenas “assistir suas aulas”. Eis a armadilha: ninguém desenvolve ou aprimora a inteligência sem o esforço individual; e mais, sem adquirir meios e ferramentas para tomar consciência de si mesmo. Ou seja, é preciso se conhecer, saber suas limitações, identificar fragilidades e a partir daí começar a fortalecer qualidades.

Mas aqui reside um ponto interessante que admiro: os “antigos” sempre estiveram à nossa frente, pois basicamente tudo o que se fala hoje, não foi inventado hoje. Existem ideias que estão a séculos circulando e às vezes até saem um pouco de moda, mas voltam repaginadas. A sabedoria dos antigos sempre esteve e estará presente em nossas vidas, e precisamos apreciá-las e enaltece-las com sua devida importância. O mundo é cíclico, e se nossos problemas são sempre os mesmos, as soluções também o são. Como diz a Palavra de Eclesiastes, “não há nada de novo debaixo do sol”.

Jules Payot foi um pedagogo e educador francês, que em seu livro mais famoso, o da presente coluna, explana como podemos ser mais produtivos quando estamos estudando ou envolvidos com trabalhos que demandam a aplicação intelectual. Aprender a lidar com nossas emoções é algo que se torna essencial no aprimoramento da nossa capacidade de entender e conhecer.

Sempre busco reafirmar que a definição de propósitos é fundamental não apenas em relação aos estudos, mas em qualquer área de nossas vidas. O propósito nos direciona e joga tudo o que nos acontece em seu favor. Como diz o autor, “Quando uma ideia como essa de que falamos nasce em uma alma desejosa de acolhê-la, por um duplo e misterioso fenômeno de endosmose que ainda estudaremos, a ideia atrai sentimentos apropriados a fecundá-la; nutre-se deles, de alguma maneira, fortifica-se com eles, e por outro lado a clareza da ideia passa para os sentimentos, dá-lhes, não vigor, mas orientação. (...) Basta, por conseguinte, para dar a um desejo, a uma emoção, uma grande vivacidade, tornar o objeto almejado perfeitamente preciso para o espírito, de forma que todos os seus aspectos atraentes, sedutores, ou simplesmente úteis, sejam vigorosamente enfatizados”.

Payot coloca como causa de quase todos os nossos fracassos e males, a fraqueza da vontade. “Nossa passividade, nossa leviandade, nossa dissipação, são outros tantos nomes para designar esse fundo de universal preguiça que é para a natureza humana o que é peso para a matéria.” O livro é dividido entre uma primeira parte teórica, em que o escritor aponta conceitos, psicologias e fundamentos que baseiam seus estudos, e a segunda parte prática, onde ensina e mostra os “inimigos” da nossa vontade e como combatê-los.  

É interessante pensar em como um livro publicado em 1894 pode nos ser tão útil. Como já disse, nossos problemas são os mesmos, mudando apenas a roupa com que se vestem. Ensina-nos métodos de meditação, meios e “atalhos” que nos auxiliam durante o tempo de estudo. Gosto de pensar que essas espécies de livros funcionam como calçados: se vamos correr uma maratona, devemos sempre ter calçados confortáveis e funcionais. Obras assim nos servem como preparação para que saibamos como, quando e o que armazenar no cérebro; constroem balizas e guias para nossa mente se desenvolver mais; nos ajudam a identificar e tirar distrações que em determinados momentos podem ser fatais.

“Infelizmente, o tempo de atividade, já tão curto, é ainda diminuído pela falta de método do estudante em seu trabalho; apesar disso, como já dissemos, basta pouco para cada dia se a cada dia realizamos esse pouco. A paciência dos esforços incessantemente renovados produz resultados prodigiosos: é, portanto, o hábito da atividade incessante que o estudante deve adquirir. (...) A esses esforços reiterados denomina-se constância, espírito de continuidade, e desde que haja perseverança no esforço, deve haver também perseverança na eclosão das forças. Nunca se pensa no quanto os antigos tinham razão quando anunciavam sua famosa máxima: mens sana in corpore sano. Sejamos sadios para fornecer à nossa vontade as provisões de energia física sem as quais todo esforço, seja ele qual for, resulta caduco e infecundo.”

Um dos principais objetivos da obra é fazer com que aprendamos a “dominar” nossos instintos e emoções – ou quando não, pelo menos guiá-los – e cuidar do ambiente a nossa volta e do nosso corpo, o que pode fazer com que conquistemos sucesso naquilo que nos propomos a realizar.

“Mas é inútil insistir nisso, pois não são as circunstâncias exteriores que forjam o talento. O desenvolvimento não se faz de fora para dentro, mas de dentro para fora. As circunstâncias externas são sempre acessórias: ajudam ou contrariam, e talvez menos do que geralmente se pensa. Não devemos, portanto, classificar os estudantes em estudantes que moram em Paris e estudantes que lá não moram. Só há duas grandes categorias entre eles: os que agem com seriedade, os enérgicos, e os que não saem agir, os de vontade fraca. Os primeiros, seja qual for o ambiente em que estiverem, farão, com poucos meios, maravilhas, e geralmente sua energia começará a criar novos meios; os segundos, mesmo que rodeados de bibliotecas e de laboratórios, não fazem nada, jamais farão nada.”

A ideia de estudante que Payot diz no livro, não se refere apenas aquele das escolas e universidades, mas a todos os que sentem necessidade de se aprimorar constantemente intelectualmente. Numa época em que sofremos inúmeras distrações, excesso de informações e todo tipo de afazeres cotidianos, saber lidar e aprender a filtrar aquilo que nos é caro nos estudos, pode ser um dos caminhos mais eficientes e eficazes no desenvolvimento de nossa inteligência.

A Educação da Vontade, Jules Payot.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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