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05/11/2022 às 08h00min - Atualizada em 05/11/2022 às 08h00min

A Porta dos Leões

EDMAR PAZ JUNIOR
Já havia dito na coluna em que comentei sobre o livro “Como Superar Seus Limites Internos”, de Steven Pressfield, que a filósofa Lucia Helena Galvão, em sua palestra sobre o livro homônimo, adiantou que além dessa obra que comentava sobre suas dificuldades de escrever, o autor era um excelente romancista. No livro sobre os 300 de Esparta, “Portões de Fogo”, Pressfield mescla fatos reais com uma narrativa cativante e perspicaz, que percorre os acontecimentos anteriores, os dias do cerco e os subsequentes da batalha que ocorreu nas Termópilas. Desenvolve uma história rica em detalhes, que prende o leitor do início ao fim. 

Enquanto a narrativa se desenvolve – e essa é uma das principais ideias que consegui captar – como se fosse uma espécie de “seiva” que percorre o caule da planta, um elemento substancial, os ensinamentos “soltos” no texto, fazem parte de uma característica do escritor, de inserir princípios em suas histórias. Um bom exemplo é a Rainha e esposa do Rei Leônidas, Gorgo, quando dizia que não era esposa de um rei, mas esposa do povo, do reino, deixando claro que tinha uma e assumiu uma responsabilidade. “Fui filha de um rei e agora sou esposa de outro. As mulheres invejam minha posição, mas poucas percebem as suas obrigações severas. Uma rainha não pode ser uma mulher como as outras. Não pode possuir marido ou filhos como as outras esposas e mães: deve mantê-los somente para servirem à sua nação. Ela serve a eles, os corações de seus compatriotas, não ao seu próprio nem o de sua família.”

Assim como na obra sobre os 300 de Esparta, enquanto narra os acontecimentos prévios e a tensão da guerra israelense, o autor tece como pano de fundo, uma espécie de malha de princípios – ou pelo menos assim enxergo – uma identidade de um povo. Esse povo é o povo Judeu. Israel, a Terra Prometida, era um sonho e uma esperança, até que em 1948 deixou de ser algo abstrato e se materializou na forma do Estado. É um pequeno paradoxo, já que o próprio Estado é também imaterial. A questão, contudo, é que a partir de então, os judeus tinham um “pedaço de terra” para chamar de seu. 

A história que conta o presente livro, não é sobre esse ocorrido, a independência  de Israel, mas sim sobre a Guerra dos seis dias, que eclodiu em 1967, e na verdade demonstra que uma nação é muito mais que um pedaço de chão; são os laços e os sentimentos que ligam as pessoas que nela habitam que realmente fortalece um povo.

Pressfield sabe tecer esse pano de fundo brilhantemente, por exemplo, quando conta a passagem do soldado Joseph Trumpeldor, que lutou pelo Exército inglês na Primeira Guerra Mundial, e convenceu seus superiores a formar uma legião judaica para combater como unidade, e de como “surgiu” essa ideia do Estado de Israel. Transcreve um trecho da biografia de seu amigo Jabotinsky, em que Trumpeldor diz: “Precisamos de homens e mulheres prontos para tudo, tudo o que a terra de Israel irá demandar. Uma geração que não cultivará interesses ou hábitos privados, mas será simplesmente como uma barra de ferro, que possa ser moldada para assumir qualquer forma que a máquina nacional precise. ‘Falta um pneu? Eu serei esse pneu. Precisamos de um prego, um parafuso, uma engrenagem? Leve-me. Precisamos cavar? Eu sou a pá. Precisamos de um soldado? Eu serei esse soldado. Policial, médico, advogado, bombeiro? Leve-me. Eu farei de tudo. Não tenho fé, não tenho filosofia, não tenho sentimentos; nem mesmo tenho nome. Sou o puro ideal de serviço, preparado para qualquer coisa. Não tenho restrições nem limites. Só conheço um comando: construir.” 

Um povo que se une não apenas por laços sanguíneos, mas também pelo desejo de ter e produzir um futuro para seu país se torna quase inquebrável. E é esse o sentimento que o autor transmite durante a obra. Um dos lemas dos soldados judeus era a expressão em hebraico “em brera”, que quer dizer “não há alternativa”. Ou Israel mostrava sua força, ou seria liquidado.

O livro é um compilado de depoimentos e memórias que soldados e líderes deixaram sobre a tentativa de Egito de invadir e aniquilar Israel. O plano de ataque israelense foi genial e envolvia uma ação surpresa simultânea contra as bases da força aérea egípcia. Enquanto o exército africano contava com uma força descomunal, com uma média de dez homens para cada israelense, Israel apostava suas fichas no plano denominado “Moked”: a estratégia elaborada durante alguns meses previa que os aviões israelenses destruíssem não apenas os aviões, mas que inutilizassem todas as bases aéreas egípcias. O ataque começou na madrugada do dia 5 de junho, durou algumas horas e definiu o destino da guerra, pois definitivamente deixou seus inimigos atordoados: enquanto o Egito teve mais de 300 aviões destruídos ainda em solo, Israel perdeu apenas 20.

Como dito em quase todos os depoimentos, mesmo com a Síria e a Jordânia vindo em socorro dos egípcios, o que se seguiu depois foi apenas o ganho de território pelos israelenses, pois o exército inimigo, sem saber o que o havia atingido, saiu em debandada. O tiro mortal, o head shot, havia sido dado no primeiro dia; os outro cinco dias foi o tempo que o corpo demorou para cair.

Pressfield é talentoso em transmitir as emoções de seus entrevistados. Quase nos sentimos dentro da batalha, no calor do combate, o clima de tensão e ansiedade que afligia os soldados na véspera do ataque, e principalmente, o sentimento de patriotismo que os judeus carregavam em si para com o solo que defendiam. Um dos entrevistados diz: “Jerusalém não é uma capital de riqueza ou de um império. Não tem rios, portos ou rotas de comércio próximos. Não é um centro de finanças nem de comércio. A moda e as artes não têm lugar aqui. Jerusalém não possui recursos naturais. Sua localização não tem o mínimo valor estratégico. Não é Londres, nem paris, nem Moscou, nem Nova York. Jerusalém é uma cidade do espírito, a capital da alma”.

A história nos mostra que sempre que um povo mantém e luta por seus princípios se destaca frente a outros e, quando decaem, o torna presa fácil para qualquer inimigo, seja externo ou interno. 

A Porta dos Leões, Steven Pressfield.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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