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03/11/2022 às 08h00min - Atualizada em 03/11/2022 às 08h00min

​Os degraus da palavra

IVONE ASSIS
Certa vez, li um poema de Carlos Drummond de Andrade que diz: “Com a alma cheia de fé e de esperança, louvamos a Deus, cuja bondade paternal nos proporciona tantas venturas [...]. Que as nossas preces subam, puras e sinceras, e [...] que, no percurso do ano tenhamos a benção de Deus, protetor dos nossos estudos, dos nossos trabalhos, das nossas esperanças, da nossa vida”.
 
Este poema, na íntegra, está no extinto jornal “Aurora Collegial” nº 185, Ano XIV, Nova Friburgo, 30.4.1918, quando o poeta estudava o 2.º ano. O poema fica exposto na escadaria do Colégio Anchieta, onde Drummond estudou por algum tempo de 1917 a 1919. O poeta ainda não sabia, mas estava ali, subindo o primeiro degrau da sua escada de produção literária e sucesso.
 
Pensando nesse nome, mais tarde, Drummond, com muito mais maturidade literária, escreveu o poema “Escada”, que diz: “Na curva desta escada nos amamos, / nesta curva barroca nos perdemos”.
 
Dentre os milhões de escritas sobre a escada, notamos que este artefato, a escada, sempre foi objeto de inspiração aos poetas e escritores, especialmente nas áreas da Administração, do Marketing e da Literatura, porque a metafórica escada está sempre nos lembrando de que é devagar que se alcança o topo. Mas, não só, lembremos, por exemplo, da ficção “Harry Potter e o enigma do príncipe”, cuja obra tive a curiosidade de contar a palavra “escada”, e esta, se eu não estiver enganada, aparece 53 vezes.
 
Na cidade portuguesa, Setúbal, a poetisa Paula Martins, em seu profundo poema “A escada da minha vida”, de 05/12/2007, diz: “Vou subindo lentamente / Cada degrau é um presente / Que receio abrir / [...] // Vou subindo lentamente / Olhando os degraus de frente / E assim, vou sarando feridas / [...]”.
 
Para encerrar as citações sobre escada, trago a querida amiga e ilustre poetisa Argentina, porém residente em Curitiba/PR, Isabel Furini, cuja escada poética, de 2017, diz: “A vida é uma escada / todos podemos triunfar / e nesse longo caminho / o que precisamos aprender, / é defender nosso lugar / sem derrubar o vizinho”.
 
E como não citar a encantadora “Escadaria da fama”, no Morro dos Alagoanos, em Vitória, no Espírito Santo, criada pelo seu Raimundo de Oliveira, um amante da cultura, que transformou uma medonha escadaria do morro em um ilustre ponto turístico. E assim vêm tantos outros degraus da vida.
 
E por que eu trouxe tamanha escadaria? Porque quero mencionar, aqui, as significativas escadas de Xerém, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Em que o “seu” Cícero Pereira da Rocha, sonhando o sonho do neto Crysthyan Lucas (atacante do Sub-17 do Fluminense), saiu de Maceió para o Rio a fim de fazer a diferença na vida de milhares. O menino reacendeu, no avô, a emoção de viver. Só de pensar na hipótese do sucesso, que já é garantido, aquele avô amável cai nas lágrimas, de tanto bem-querer.
 
O “seu” Cícero, querendo assistir aos treinos do neto, pegou um serrote e fez uma escada, da qual poderia espiar por cima do muro. E quando viu que aquele era o sonho de centenas de outros pais (e pessoas), foi serrando madeira e alinhando degraus até construir, ao longo dos anos, 38 escadas, manuais, que, hoje, são alugadas a 5,00 a hora, em lotação de 36, porque duas são reservadas para pessoas que não podem pagar o aluguel, mas que têm o mesmo sonho de ver (e vivenciar) o sonho de alguém que ama. Quantos de nós não temos nossas histórias a contar? Nossos degraus a subir? Eu, por minha vez, venho subindo os degraus da palavra.
 
 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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