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08/10/2022 às 08h00min - Atualizada em 08/10/2022 às 08h00min

O Homem Eterno – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR

Nesta segunda parte, Chesterton procurou se distanciar o máximo possível do lado emocional do Cristianismo – mesmo que em certos momentos isso se torne quase impossível, dada a Beleza que brilha intensamente sob qualquer tentativa de ofuscamento ou opacidade que o mundo ou os inimigos da Igreja tentam impor. 

Quando críticos, agnósticos ou ateus batem nas estruturas da Igreja, tentando destruí-la, somente causam o efeito contrário do esperado. Quanto mais fundo penetramos nas estruturas, quanto mais racionalidade colocamos na investigação sincera de seus porquês, mais nos descobrimos maravilhados com os mistérios. “Quanto maior for o nosso entendimento das antigas condições que contribuíram para a cultura final da fé, tanto maior será nossa real e até realista reverência pela grandeza dos Profetas de Israel”.

Quero chamar a atenção para dois pontos na obra, que tratam da força da Igreja e sobre a “missão” de Jesus. Ao refutar afirmações acerca de que o Cristianismo apenas sobreviveu por conta de acordos e alianças com determinados governos, de forma que insinuavam uma “dependência” daquele para com estes, percebe-se a fragilidade desses argumentos e ao mesmo tempo demonstra a força que a Igreja possui através da Palavra de Cristo. Todas as vezes que a deram como morta, ela voltou ainda mais forte e resplandecente no mundo. Como diz o escritor, “O Cristianismo morreu várias vezes, mas ressuscitou outras tantas, porque Deus sabe o caminho para escapar do sepulcro”.

O ponto de partida para contrapor a ideia das críticas é justamente a perseguição que Cristo e seus discípulos sofreram por pregarem o evangelho: ora, se o cristianismo fosse uma religião das elites governamentais, por que seu início se deu justamente em um contexto contrário? “Céus e terra passarão, mas minha palavra não passará”. Esta frase não pode apenas ser simples coincidência, pois todos os ensinamentos são válidos e justos em qualquer época que sejam ditos. Chesterton ainda diz de maneira fascinante: “Alguém disse não sem razão que o cristianismo em sua recorrente fraqueza às vezes se casou demais com os poderes do mundo; mas se ele se casou ele também muitas vezes enviuvou.”

Outro detalhe que o autor aponta, de como o Cristianismo se trata de uma religião completamente distinta das demais, também provém dessa época: a maneira como o Império Romano que era, junto com o Império Bizantino, o centro do mundo e reuniam quase todo tipo de prática religiosa, tentou extirpá-lo. O autor discorre também sobre como ambos os impérios se tornaram sinônimo do ápice do desenvolvimento humano, após fazer sucumbir Cartago: todos os três impérios eram glamourosos, ricos e centralizavam o que havia de “melhor” da humanidade naquela época; todos abarcavam qualquer tipo de religião. A divergência se deu em um único elemento: enquanto Cartago aceitava qualquer tipo de paganismo, inclusive os que abusavam e sacrificavam crianças, Roma e Atenas se voltaram contra essa prática.

Após essa superação, as permissões para os cultos aos deuses exigiam apenas uma contrapartida: que seus fiéis reconhecessem o poder do Império Romano. Era muito simples para que o Cristianismo se tornasse mais uma dentre as religiões (se é que poderiam ser chamadas assim) que integraria o panteão de deuses do império. Mais fácil ainda seria dizimá-los caso não se submetessem ao poder imperial: um grupo irrisório de fiéis não seria páreo para o império que dominava o mundo até então; ou então, a simples ignorância, um “deixar pra lá”, já que na teoria os cristão eram como uma formiguinha que tentava morder o calcanhar de um elefante.

Mas não foi isso o que vimos. Apesar de surgir “do nada”, sua Palavra era tão forte que implodiu o império de dentro pra fora. A crença de um Deus uno e trino era, e é, tão intensa que nada resistiu a sua fé: todas as mentiras sucumbiram diante de uma Verdade.

Ao contrário do que muitos dizem, Chesterton mostra que o Cristianismo não surgiu em uma época decadente. Foi exatamente o contrário. O mundo confluía para Roma: um estado que aceitava todas as divergências de credos, no ápice de seu desenvolvimento econômico; mas que era tão vazio por dentro, com as paredes das almas construídas com o pior material disponível, que não resistiu quando foi preenchida por algo verdadeiro.

O segundo ponto que quis trazer hoje, refere-se à “missão” de Jesus. Quando Chesterton comenta a passagem do primeiro milagre de Jesus, que transformou água em vinho, relembra o diálogo que Cristo teve com sua mãe: “Ainda não é chegada minha hora”. O escritor conclui que esse é um, dentre tantos outros fatos, que mostra como o Messias não era apenas “mais um profeta”, mas sim o próprio Deus. Ele não veio passear; não tinha como objetivo ficar pregando a palavra nos quatro cantos do mundo. Compara-o assim, com grandes nomes como Buda, Confúcio e Maomé. “Ora, comparada à desses andarilhos a vida de Jesus teve uma trajetória rápida e direta como a de um raio. Foi acima de tudo dramática: consistiu principalmente em fazer algo que tinha de ser feito. Algo que claramente não teria sido feito se Jesus houvesse vagado pelo mundo para sempre não fazendo mais que dizer a verdade. (...) Por isso a história de Cristo é a história de uma jornada, quase na forma de uma marcha militar, certamente à maneira da busca de um herói que se desloca para sua conquista ou sua destruição”.

É realmente uma grande obra, que nos incita a refletir sobre as raízes do Cristianismo e como nos deixamos levar por falácias que deturpam nossa visão sobre a verdadeira importância da Igreja de Cristo.

“Aqueles que gostariam de sugerir que a fé foi um fanatismo estão condenados a uma eterna perplexidade. (...) Não conheço nenhuma explicação a não ser a que afirma que esse fenômeno não é uma irracionalidade, é razão; que se há fanatismo é fanatismo pela razão e contra o que não é racional. Essa é a única explicação que consigo achar para uma coisa que desde o início é tão desapegada e tão confiante, condenando coisas tão parecidas com ela mesma, recusando ajuda de poderes que pareciam essenciais para sua existência, compartilhando em seu aspecto humano de todas as paixões de sua época, e no entanto sempre, no momento supremo, elevando-se de repente acima delas, nunca dizendo exatamente o que se esperava que ela dissesse e nunca precisando desdizer o que havia dito.”  

 

O Homem Eterno, G.K. Chesterton.

 

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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