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06/10/2022 às 08h00min - Atualizada em 06/10/2022 às 08h00min

O pão nosso de cada dia

IVONE ASSIS
O pão está entre os alimentos mais antigos da civilização humana. Vejamos a história do povo hebreu, egípcio, gregos, romanos... o pão representava o poder, era moeda de troca, fomento político. O povo judeu, por séculos, foi pago com o trigo. Chegando mais perto, temos nossa cultura brasileira irrigada a “pão francês”, que é genuinamente brasileiro. Um produto que se tornou um símbolo na história da alimentação nacional, especialmente no café da manhã. É o produto de maior demanda nas padarias, e um ponto importante no PIB brasileiro. O pão francês é padronizado pela NBR 16170:2013, da ABNT (suscetível a críticas). O pão francês recebe diferentes nomes, conforme a região/estado que o acolhe. Cacetinho, pão d’água, pão careca, pão aguado, pão de sal, pãozinho, pão jacó, carioquinha, pão de trigo... e o nacional pão francês. O nome pouco importa, o que vale é o sabor.

Eu sou uma das milhares de pessoas que gostam de manipular a massa e produzir os pães, seja na cozinha, seja na escrita. Na literatura, o pão virou poesia; na música virou canção; no mercado virou produto; na mesa de muitos, não passa de desejo. O pão faz parte das memórias, encanta pela textura, aroma, sabor. Quem não gosta de degustar um pão quentinho, crosta crocante e miolo macio? Uhuuum, chego a sentir o cheiro do pão saindo do forno. Quanto mais fresco, mais saboroso. É um abismar olfatos e paladares.

Há 22 anos, o dia 16 de outubro foi declarado o Dia Mundial do Pão. Falar sobre o pão é brindar a vida. O pão está sempre presente nos momentos mais difíceis, assim como nos mais sublimes. Nos filmes, o pão compõe grandes cenas, dando vida aos personagens. Nas Escrituras Sagradas, o pão simboliza o corpo de Cristo, portanto, a vida. Quando pego minha alma rasgada de saudade, vejo o pão como forma que costurar histórias em volta da mesa, relembrando momentos ao lado de pessoas queridas que só me restaram a fotografia. Sei que eles viajaram para além do rio azul, mas esqueceram o cheiro do pãozinho quente, aquecendo nossas conversas, e risos, e encontros, e sonhos.

Seja pão francês, bengala, filão, sírio, mineiro, italiano ou qualquer outro, o pão é sempre bem-vindo. Não se sabe ao certo quem teve a feliz ideia de criar essa massa de trigo assada, o que não temos dúvida é do quanto o pão é saboroso. Com a Guerra que assola a Ucrânia, o mundo passou a valorizar ainda mais o pão, sob o medo de não haver trigo o suficiente. 

Na carta de Pero Vaz de Caminha, o cronista afirma: “Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se [de] alguma coisa provaram, logo a lançaram fora”. O fato é que os nativos tinham um paladar voltado para alimentos frescos e in natura, por isso o alimento fermentado ou processado causou-lhes grande estranhamento. Todavia, o militar português Martim Afonso (1490-1570) trouxera sementes de trigo, que favoreceram o plantio e a inserção do grão no cardápio brasileiro.

Maria Eduarda Gallo, uma aluna do 6º ano do Colégio Estadual Cívico Militar Dom Pedro I, de Pitanga (PR), recebeu a classificação de primeiro lugar com um poema sobre o pão, que diz: “O pão... que delícia! / Pão francês, / Pão caseiro, / De onde vem tanta delicadeza? / É claro que vem da natureza. // Quando acordo de manhã / O cheiro doce do pão amanteigado / É a única coisa que me faz sair / Do meu colchão sossegado. / [...] O pão é sagrado mesmo / [...] Na casa do rico ou do pobre / Se tem pão a fome não vem / Ele é igualmente consumido / Não importa o dinheiro que se tem”.

Ainda sobre o pão, o modernista Manuel Bandeira (1886-1968), em seu poema “Trem de ferro” (1936), encantou o mundo com seu poema “Trem de ferro”, que se inicia dizendo: “Café com pão / Café com pão / Café com pão / Virge Maria que foi isto maquinista? / Agora sim / Café com pão / Agora sim / Voa, fumaça [...]”. E assim, ao cheiro do café, a literatura vai amassando o pão nosso de cada dia.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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