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01/10/2022 às 08h00min - Atualizada em 01/10/2022 às 08h00min

O Homem Eterno – Parte I

EDMAR PAZ JUNIOR
Quando se encontra o desenho de uma rena numa caverna, não significa necessariamente que o homem pré-histórico não tivesse religião: “talvez possa ter julgado mais fácil desenhar renas do que desenhar religião. É possível que ele tenha desenhado uma rena porque ela não era seu símbolo religioso. É possível que ele tenha desenhado qualquer coisa exceto seu símbolo religioso. É possível que ele tenha desenhado seu verdadeiro símbolo religioso em alguma parte, ou é possível que esse símbolo tenha sido deliberadamente destruído quando foi desenhado. É possível que ele tenha feito ou deixado de fazer um milhão de coisas; mas em todo o caso trata-se de um impressionante salto de lógica inferir desse fato que ele não tinha nenhum símbolo religioso ou nenhuma religião.” 

É com esse tipo de reflexão que o escritor e filósofo inglês, G.K. Chesterton, nos provoca a pensar e dá o tom na presente obra de como alguns “especialistas”, já desde o início do século passado, não estavam tão preocupados com a realidade dos fatos.

No livro, o autor nos mostra uma maneira diferente de enxergar duas histórias fundamentais da Humanidade: o próprio desenvolvimento humano, a partir da antiguidade; e o nascimento do Cristianismo, como fato histórico. Assim como a obra é dividida em duas partes, também o farei, pois quero dedicar uma atenção melhor à segunda parte, que é acerca do Homem chamado Cristo. Nesta, tratarei apenas de apontar alguns traços que consigo visualizar da relação dos “pesquisadores”, anteriores ou contemporâneos à Chesterton – que contam histórias para preencher lacunas – com alguns “cientistas” que hoje usam de estruturas complexas e retóricas vazias para adequarem as respostas que procuram às suas teorias, e não suas teorias às respostas que encontram, fazendo o caminho inverso da busca pela verdade. Como diz o Professor Olavo de Carvalho, a ciência de hoje é um recorte feito pelo cientista e testado até que apenas essa sua hipótese seja válida.  

Os apontamentos que o escritor faz – quando por exemplo se questiona como conseguiram inferir que o homem “pré-histórico” era um bárbaro, essencialmente ruim, que agredia as mulheres – nos lembra de como quase tudo hoje nos incita a não pensar e apenas aceitar o que nos dizem. Cita um resumo científico sobre uma tribo pré-histórica, que começava com uma frase confiante: “Eles não usam roupas.” E continua, “É provável que nenhum dentre cem leitores tenha parado para perguntar-se como poderíamos saber se roupas foram outrora usadas por gente de quem nada restou a não ser alguns fragmentos de ossos e pedras”. 

 “A civilização humana é mais antiga que os registros humanos. (...) A humanidade deixou exemplos de suas outras artes anteriores à arte escrita; ou pelo menos antes de qualquer escrita que conseguimos ler. Mas não há dúvida de que as artes primitivas eram artes; e é de todos os modos provável que as civilizações primitivas foram civilizações. O homem deixou a pintura de rena, mas não deixou uma narrativa de como ele a caçava. Portanto, o que dizemos sobre ele é hipótese e não história.”

Uma das ideias da primeira parte do livro é a de que não poderíamos tirar conclusões complexas a partir de minúsculos fragmentos históricos. “É preciso dizer às claras que toda essa ignorância é simplesmente encoberta pela desfaçatez. Fazem-se afirmações com tanta simplicidade e certeza que quase ninguém tem a coragem moral de as ponderar e descobrir que elas não se sustentam”. Essa premissa, contudo, poderia tranquilamente ser aplicada nos dias atuais, diante da quantidade exagerada de desinformações. Um pesquisador/cientista supõe uma história (fantasia) e mesmo que não haja nenhuma evidência que confirme sua tese, se torna dono da verdade, apenas porque não há evidência que o contrarie. 

Chesterton ainda traça outras relações inconstantes dos ditos “especialistas”, como por exemplo nos capítulos sobre “antiguidade das civilizações”, “o homem e as mitologias” e também em “os demônios e os filósofos”, e mostra a forma como usam argumentos incoerentes para manter o que “descobrem”. Diz “Pelo fato de os homens terem inventado um motivo para explicar um resultado, eles quase negam o resultado a fim de justificar o motivo”. 

No último capítulo da primeira parte, intitulado “o fim do mundo”, tenta descrever o que pode ser a derrocada da humanidade, mas deixa um vislumbre do que pode ser sua prevenção.

“O pessimismo não consiste em sentir-se cansado do mal, mas em sentir-se cansado do bem. O desespero não consiste em sentir-se cansado do sofrimento, mas em sentir-se cansado da alegria. Quando por algum motivo as coisas boas de uma sociedade deixam de funcionar, essa sociedade entra em declínio, quando seu alimento não alimenta, quando seus remédios não curam, quando suas bençãos não abençoam.”

A história humana é cíclica, não canso de dizer isso, e como nada sob o sol é novo, vemos se repetir diante de nossos olhos: a impressão de que chegamos no ápice da humanidade.

“A triste e cansada sociedade parece quase encontrar uma nova energia na organização de sua primeira perseguição religiosa. Ninguém sabe com muita clareza por que aquela sociedade uniforme perdeu assim seu equilíbrio acerca dessas pessoas em seu bojo; mas lá estão elas imóveis contrariando a natureza enquanto a arena e o mundo parecem girar em torno delas. E sobre elas brilhou naquela hora escura uma luz que nunca foi obscurecida; um fogo intenso que aderiu àquele grupo como uma fosforescência etérea, iluminando sua trilha pelos escrúpulos da história e confundindo todos os esforços de confundi-lo com as névoas da mitologia e teoria; aquela coluna de luz e relâmpago com que o próprio mundo o golpeou, isolou e coroou; com que seus próprios inimigos o tornaram mais ilustre e seus críticos o tornaram mais inexplicável: a auréola de ódio ao redor da Igreja de Deus”.

O Homem Eterno, G.K. Chesterton. 



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