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24/09/2022 às 08h00min - Atualizada em 24/09/2022 às 08h00min

A Revolução dos Bichos

EDMAR PAZ JUNIOR

Já vi algumas resenhas ou comentários espalhados pelas redes sociais afora sobre esse livro. A história em si, seria apenas mais uma ficção qualquer, um conto comum, se não fosse declaradamente uma crítica ao regime comunista de Stalin e Lênin, em plena década de 40, em um pós 2ª guerra mundial bem complicado, principalmente pelas perseguições e censuras que ocorriam veladas, porém sabidas por todos. 

A narrativa gira em torno de uma revolta que os bichos resolveram realizar, por incentivo de alguns “intelectuais” – aqui representados pelos porcos – para dominar a fazenda e, segundo os incitadores, não “sofrer mais nas mãos do homem”. Quando decidiram que não mais se subordinarem às vontades do homem, o fazendeiro e quem organizava os afazeres, literalmente o expulsaram e tomaram conta dos “meios de produção”. Pensaram, “se somos nós que trabalhamos, nada mais justo que nós fiquemos também com os lucros e resultados da produção”. São várias as lições que podemos inferir de uma história tão “simples”, mas vou citar apenas dois pontos: o primeiro é sobre a irracionalidade do socialismo (já que de fato a obra é uma crítica a ele); e o segundo sobre a assustadora semelhança com os dias atuais.

Não pretendo me aprofundar no primeiro assunto, haja vista tantos economistas, estudiosos e filósofos que o fazem e fizeram brilhantemente, como por exemplo Thomas Sowell, Ludwig Von Mises e Roger Scruton. Aqui, só vou jogar a atenção para um determinado ponto: a de que ideia de se dominar os meios de produção, de que o patrão explora os empregados, de que todos devem obter “resultados iguais” (coloquei entre aspas, porque existe diferença entre igualdade de resultados e igualdade de oportunidades) e toda sorte de pensamentos a respeito, se esbarra em uma grande barreira: essa inversão de papéis só se consegue realizar quando existe uma indústria à pleno vapor, ou pelo menos um padrão determinado. No caso do domínio dos meios de produção, só se visa essa inversão do proletariado quando já há uma estrutura pronta e lucrativa; mas será que alguém vai querer dominar a produção quando a empresa não estiver dando lucros? Acredito também que ninguém que prega essa ideologia – e muitos apenas a repetem sem raciocinar um segundo sobre suas consequências – vão querer dividir o ônus dos riscos de se começar do zero um empreendimento ou se responsabilizar pelos meios de produção de um empresário que decidiu fundar uma empresa agora, ainda mais se estiver dando prejuízos.  

Noutro ponto, sobre como o livro ainda se mostra estranhamente atual, mesmo sabendo de todos os malefícios que decorrem desse pensamento, quero recordar algumas coisas que ocorreram em plena pandemia e que me chamaram a atenção por conta de algumas semelhanças. Quando se decidiu – por meio de alguns “selecionados” e “ungidos”, como diz Sowell – que as decisões sobre os desdobramentos e o que poderia ou não ser feito pela população, seria posta nas mãos de algum conselho sem rosto, e assim, sem identidade e possibilidade de ser responsabilizado, percebi um sutil “prendimento” da população à esses pronunciamentos pelos governadores. Essas decisões, tomadas por não se sabe quem, foram postas como inquestionáveis, como se apenas o que eles dissessem fosse válido, mesmo que totalmente diferente do que nossos olhos viam.  

No livro, quando tomaram o controle da fazenda, os animais decidiram que todas as decisões sobre o que fariam seriam tomadas em conjunto, que haveriam votações e que seria permitida a palavra de todos. Seria um governo de igualdade e harmonia. Seria, mas não é bem isso que ocorre e satisfaz a sanha dos ditadores e sedentos pelo poder. “Napoleão, com os cães a segui-lo, anunciou que daquele momento em diante terminariam as reuniões aos domingos de manhã. Eram desnecessárias, disse ele, uma perda de tempo. Para o futuro, todos os problemas relacionados com o funcionamento da granja seriam resolvidos por uma comissão de porcos, presidida por ele, que se reuniria em particular e depois comunicaria as decisões aos demais. Os animais continuariam a reunir-se aos domingos para saudar a bandeira, cantar “bichos da Inglaterra” e receber as ordens da semana; não haveria debates”. Lembra algo, não?

Além da decisão dos animais de se reunirem para tomar as decisões em conjunto, o que logo foi sucumbido pelo porco Napoleão, foram escritos, na parede do celeiro, sete mandamentos que todos na fazenda deveriam seguir. Mas, após os porcos decidirem dormir na casa que era de Jones (o fazendeiro), se recordaram de um mandamento: Nenhum animal dormirá em cama.

“Leia para mim, por favor, o Quarto Mandamento. Não diz qualquer coisa de nunca dormir em camas?

Com alguma dificuldade, Maricota soletrou o mandamento: “Diz que nenhum animal dormirá em cama com lençóis”

Curioso, Quitéria não se recordava dessa menção a lençóis no Quarto Mandamento. Mas se estava escrito na parede, devia haver. E Garganta (uma espécie de porta-voz dos porcos), que por acaso passava nesse momento, acompanhado de dois cachorros, colocou todo o assunto na perspectiva adequada. 

‘Com que então vocês, camaradas, ouviram dizer que nós, os porcos, agora dormimos nas camas da casa? E por que não? Vocês não supunham, por certo, que houvesse uma lei contra camas, não é? A cama é meramente o lugar onde se dorme. Vendo bem, um monte de palha no estábulo é uma cama. A lei era contra os lençóis, que são uma invenção humana. Nós retiramos os lençóis das camas da casa e dormimos entre cobertores. Confortáveis, lá isso são! Porém não mais do que necessitamos, posso afirmar, camaradas, com todo o trabalho intelectual que atualmente recai sobre nós. Vocês não seriam capazes de negar-nos o repouso, camaradas, seriam? Não desejariam nos ver tão cansados que não pudéssemos cumprir nossa missão, não é verdade? Será que alguém quer Jones de volta?’” 

O que aconteceu nesses últimos dois anos foi algo surreal, que atrapalhou toda a sobrevivência de milhões de pessoas; atrapalhou-se literalmente, a vida. Com um irresponsável “fique em casa, a economia a gente vê depois” destruíram-se as já poucas possibilidades que muitas pessoas tinham de ganhar o pão de cada dia. E como a história é cíclica e sempre se repete, estamos vendo bem diante de nossos olhos essa “mudança” de responsabilização: vimos, simplesmente em rede nacional, uma jornalista que também fez coro pela frase acima, dizer que na verdade era um “fique em casa se puder”. Uma população que não sabe interpretar os avisos e as informações, é uma população manipulável. E os avisos estão espalhados nos livros; que saibamos vê-los.

A Revolução dos Bichos, George Orwell. 

 

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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