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17/09/2022 às 08h00min - Atualizada em 17/09/2022 às 08h00min

Arriscando a própria pele

EDMAR PAZ JUNIOR
Já comentei nessa coluna sobre uma outra obra de Nassim Taleb, falando sobre o livro Iludidos pelo Acaso. Essa sequência de publicações que o autor intitulou de “Projeto Incerto”, versam sobre situações cotidianas e que em grande parte das vezes as pessoas não dão muita atenção. Vai mais ou menos no sentido da analogia que usei do carimbo, onde não só a parte que retém a tinta e a fixa no papel são importantes, mas também os sulcos representam um papel relevante na constituição do desenho ou da imagem carimbada, de forma que um quadro completo da realidade é formado também por, nas palavras do autor, “assimetrias ocultas”. Assim, mesmo que não pareça, existem contramarcas que são tão importantes quanto o que é falado ou veiculado nos canais de comunicação.

O escritor, com seu modo peculiar de falar aos leitores, aponta alguns “poréns” em muitos conceitos que, de certo modo, estão sedimentados no nosso dia a dia, como por exemplo a ideia de que se deve ouvir especialistas para quase tudo. Entretanto, apesar de bater forte neles, o que Taleb procura não é necessariamente a desmistificação dessa ideia, tentando desacreditar todos os especialistas, mas sim mostrar um olhar por dentro dessa estrutura: será que realmente esses “especialistas” sabem o que estão falando? Quais foram suas conquistas nessas áreas? O que eles arriscaram para ter a reputação que têm hoje? 

Uma outra ideia que Taleb apresenta no livro, não somente acerca dos especialistas e de suas “conquistas”, mas também como deixamos que muitas vezes essas pessoas decidam, de dentro de suas salas aconchegantes e sem o menor risco, o destino de milhões de pessoas. Gosto muito de uma frase do Thomas Sowell, economista norte-americano, que diz assim: “É difícil imaginar uma maneira mais estúpida e perigosa de tomar decisões, do que colocar essas decisões nas mãos daqueles que não pagam o preço por estarem equivocados”.

Muitas vezes essas pessoas não buscam a solução mais simples para os problemas, justamente porque precisam parecer que tiraram seus apontamentos de equações complexas. É como se necessitassem “mostrar serviço”, literalmente. Por que um governo contrataria alguém para fazer um serviço ou elaborar um estudo, por exemplo, que seja de um desfecho fácil? Então, esses “especialistas” se embrenham por sistemas complexos, arranjos artificiosos e vendem resultados inaplicáveis.

“Pessoas que sempre atuaram sem arriscar a própria pele (ou que não arriscam a própria pele no lugar certo) buscam o complicado e o centralizado, e evitam o simples como o diabo foge da cruz. Os profissionais, por outro lado, têm instintos opostos, procurando as heurísticas mais simples. Algumas regras: As pessoas que são criadas, selecionadas e recompensadas para encontrar soluções complicadas não têm incentivo para implementar as soluções simplificadas.”

E continua, “em outras palavras, muitos problemas na sociedade vêm das intervenções de pessoas que vendem soluções complicadas, porque é isso que sua posição e treinamento os estimulam a fazer. Não há absolutamente nenhum ganho para alguém nessa posição propor algo simples: a pessoa é recompensada pela percepção, e não pelos resultados. Enquanto isso, ninguém paga preço algum pelos efeitos colaterais que crescem de forma não linear com tais complicações”.

Discordo veementemente dessa última frase, principalmente em relação a políticas públicas, que queira ou não, efetivamente é onde mais ocorre essa presença dos ditos “especialistas”. A questão é que quando há a implementação de uma política pública ruim, seja com uma solução simples ou complexa, para qualquer problema, todos pagamos, infelizmente. 

Mas não apenas sobre isso, além dessa ideia de mostrar o quanto devemos estar atentos em quem procuramos confiar nossa saúde, nossas economias e até mesmo nossas famílias, o escritor joga um bocado de luz sobre como devemos agir também. Se buscamos integridade e experiência “real” naqueles em que colocamos nossa confiança, por que não o fazemos em relação a nós mesmos também? “Porque, repetindo, a vida é sacrifício e admissão de riscos, e nada que não envolva uma quantidade moderada do primeiro, sob a restrição de satisfazer o último, está próximo do que podemos chamar de vida. Se você não assume um risco de dano real, reparável ou mesmo potencialmente irreparável, de uma aventura, não é uma aventura”. Taleb mostra que aceitar o risco e considerá-lo uma questão de honra é atributo essencial dos heróis, dos santos e de um bom número de pessoas de sucesso. É, assim, uma regra elementar do jogo.

Arriscando a própria pele, Nassim Nicholas Taleb.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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