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10/09/2022 às 08h00min - Atualizada em 10/09/2022 às 08h00min

A Eleição no Amor

EDMAR PAZ JUNIOR
Alguns dias atrás, li um livro chamado “Portões de Fogo”, de Steven Pressfield. Ele narra a história dos 300 de Esparta, mas não como nos livros comuns, com as artimanhas e os grandes feitos na batalha em si. O autor vai além, e busca nas entranhas da sociedade espartana, no meio de sua cultura, não apenas dos guerreiros – o que na verdade realmente os tornavam diferentes, justamente porque a vida de cada criança espartana era voltada para esse fim, o das batalhas – mas do próprio povo.

O autor reserva um capítulo do livro para descrever a personalidade da esposa de um general do Rei Leônidas, Arete. É impressionante a força e o poder de influência que algumas mulheres exercem sobre os homens, principalmente aquelas que sabem utilizá-lo. Gosto de dizer que a mulher para “mandar” no homem não precisa gritar; muitas vezes não precisa nem sequer falar, basta apenas saber olhar.

Presfield narra que em um dado momento, quando alguns dos homens que serviam ao exército de Esparta ameaçavam se corromper e possibilitar uma possível traição, ela entrou em cena, atuando nos bastidores e buscando informações junto ao soldado que narra a história no livro. O ponto interessante é a maneira que ela o fez, não deixando espaço para que o soldado, até então um menino, não conseguisse nem ao menos tentar enganá-la. A leve pressão, delicada, porém incisiva, digno de mulheres fortes – não física, mas de caráter e personalidade – fez com que o jovem soldado entendesse de fato que, por mais que fossem os homens que enfrentavam as guerras com as espadas, eram as mulheres que lutavam magistralmente por trás das cortinas do exército com suas palavras, buscando sempre a unificação e fortalecimento dos guerreiros.

Outro ponto essencial é o critério que Leônidas utilizou para escolher seus guerreiros, que literalmente, foram escolhidos para a morte. Quando ele explica para uma esposa e mãe de dois selecionados, que a sua principal motivação não era as habilidades de guerra, força física ou inteligência tática, mas simplesmente pelas mulheres que perderiam aqueles homens, demonstra o quão importante e fundamental eram essas mulheres. Ele explica dessa maneira: “quando a batalha terminar, quando os Trezentos estiverem mortos, toda a Grécia se voltará para os espartanos, verá como resistiram. Mas para quem, senhora, os espartanos se voltarão? Para vocês. Para vocês, esposas e mães, irmãs e filhas dos mortos. Se eles contemplarem seus corações dilacerados, partidos de dor, os deles também se partirão. E a Grécia com eles. Mas se vocês resistirem, não somente os olhos secos, à aflição da perda, mas desacatando a agonia e a abraçando com honra, o que ela é na verdade, então Esparta resistirá. E toda a Hélade a seguirá. Por que a escolhi para sofrer a mais terrível das provações, e escolhi suas irmãs dos Trezentos? Porque vocês podem.”
Trouxe essa história de um autor completamente distinto, sobre um tema mais estranho ainda, para mostrar que a verdade surge em épocas, autores e assuntos diferentes. E a verdade que discuto hoje é sobre a importância das mulheres na sociedade.

Muitas vezes tentam subjuga-las, dando a impressão de que são inferiores e precisam de uma proteção supra comum. Não acredito que seja necessariamente dessa forma. As mulheres precisam de proteção, mas não porque são “frágeis” fisicamente. Elas carecem de proteção por todos os motivos imagináveis, principalmente pelo dom de gerar uma vida. Esse “pequeno detalhe”, por si só, seria suficiente para elevá-las hierarquicamente muito acima dos homens, mas vou trazer outro conceito, um tanto quanto implícito e não tão falado, porém com uma parcela gigante de relevância: a forma como as mulheres determinam os rumos da evolução dos homens. 

José Ortega y Gasset, filósofo espanhol, observa em sua crônica, “A Eleição no Amor”, que enquanto o homem tem um instinto mais empreendedor, mais aventureiro, a mulher por sua vez, de forma geral, busca e tem uma atração maior pela cotidianidade, ou seja, preza mais pela segurança, não só física, mas emocional e também das ações diárias. O autor tenta mostrar sua visão acerca de como essa cotidianidade é tão mais elementar para o desenvolvimento da raça humana, quanto as pontadas de genialidades que vez ou outra sobressaem durante a história. A questão é que essa “cotidianidade” é produzida e preservada justamente pela mulher e isso a torna figura elementar no desenvolvimento da humanidade.

“A história é, sem remissão, o reino do medíocre. A humanidade só tem de maiúscula a letra com que a decoramos tipograficamente. A genialidade maior constela-se contra a força ilimitada do vulgar. O planeta está, ao que parece, fabricado para que o homem médio reine sempre. Por isso o importante é que o nível médio seja o mais alto possível. E o que faz magníficos os povos não é primariamente seus grandes homens, senão a altura dos inumeráveis medíocres”, diz o escritor. Ele utiliza a palavra “medíocre”, não num tom pejorativo que a empregamos nos dias atuais, mas sim no sentido de média, em que “homens medíocres” significam apenas “os homens da média”.

O poder que a mulher exerce sobre nós, homens, não é algo visível, tampouco percebido pelos sentidos. “O amor junta dois indivíduos em convivência tão estreita e absoluta, que não deixa entre eles distância para que se perceba a reforma que um produz sobre o outro. Sobretudo, a influência da mulher é atmosférica e, por isso mesmo, ubíqua e invisível. (...) Penetra pelos interstícios da cautela, atuando sobre o homem amado como o clima sobre o vegetal”.

Essa escolha, ou eleição, segundo o autor, não é fator isolado, que por si só determina o desenvolvimento ou não de cada época, mas somado à outros traços, se destaca por sua subjetividade, e se torna o fator intrínseco mais “eficiente” nessa seleção darwinista que impulsiona a humanidade adiante. Eis aí, mais uma vez, o papel elementar da mulher, porque no conceito do filósofo, quanto maior o nível de exigência das mulheres na seleção de seus amores, mais alta será a média dessa sociedade. 

“Uma mínima diferença no modo de sentir a vida da mulher preferida pelos homens de hoje, multiplicada pela constância de seu influxo e pelo crescente número de lugares onde se repete, resulta numa enorme modificação em trinta anos”. 

Impossível olhar por esse prisma e ainda acreditar que mulheres são inferiores. Contudo, mais essencial que esse reconhecimento, é imperioso que as próprias mulheres não caiam numa espiral de “ressentimento instigado”, fomentando cada vez mais uma guerra dos sexos desnecessária, que tentam dividir as pessoas num inútil “nós contra eles”. Cada qual tem sua importância, e concordando plenamente com Ortega y Gasset, o papel da mulher é o principal.
 
A Eleição no Amor, José Ortega y Gasset. 


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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