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27/08/2022 às 08h00min - Atualizada em 27/08/2022 às 08h00min

Confissões

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Existe uma sequência natural, uma ordem implícita em nossas vidas, como se fosse algo que nos antecedesse em tudo, até mesmo no respirar. Nesse mesmo sentido, como uma espécie de atmosfera que nos cerca sem que percebamos sua presença, creio que existam certos princípios, basilares, imutáveis (pelo menos até então, mas também sem indícios de alguma mudança, tanto num futuro próximo, quanto num longínquo), que permitem não apenas a constância existencial, mas a própria constância. Me refiro mais especificamente à natureza humana, e a maneira como deveríamos lidar com ela justamente por sua imutabilidade. Veja, de forma bem grotesca para se analisar, que temos quatro estados emocionais que nunca mudaram, desde os homens das cavernas, até os dias atuais: desejo, alegria, medo e tristeza. O mesmo sentimento que um homem tinha 20 mil anos atrás, o temos hoje.

A história de Santo Agostinho ou “Agostinho de Hipona”, cidade em que constituiu seu bispado, é cativantemente bela, não apenas por sua conversão ao Cristianismo, mas por todos os pormenores que a envolveram. Desde as orações incessantes de sua mãe, Santa Mônica, que rezou por mais de 30 anos para que o filho encontrasse o caminho da salvação – e, principalmente, encontrasse a Verdade – até a análise profunda e sincera que ele faz de si mesmo, nos apresentam um modo diferente de olhar para a nossa Fé. É como se o que vivêssemos na Igreja antes de ler seus escritos fossem um emaranhado de caos e pontas soltas de conhecimento, cuja claridade dessas ideias foram propostas de forma esplêndida pelo Santo. “As Confissões são, portanto, ao mesmo tempo, canto de louvor, exortação aos fiéis para compreender e amar a Deus e exercício espiritual que, já no ato da redação, tem poder de purificação e de elevação pessoal”. O intuito do escritor, filósofo e religioso, era não somente confessar seus pecados a Deus, mesmo os mais íntimos, mas também confessar a grandeza de Deus.

Santo Agostinho é um dos Doutores da Igreja Católica, e é assim considerado justamente por escrever obras que se aprofundam em muitas questões filosóficas e religiosas, buscando não apenas compreender os ensinamentos de Cristo, mas fundamentá-los, estabelecendo dogmas que foram imensamente importantes para o crescimento e a sustentação da Igreja Católica, principalmente em uma época que haviam muitas dúvidas e ataques aos ensinamentos cristãos.

O livro contém passagens que nos deixam perplexos, não apenas pela beleza, mas também pela intensidade, que nos atraem de forma magnética para algo além de nossa compreensão: que a Fé e o amor a Deus é tudo o que precisamos ter. “De fato, para onde quer que se vire a alma do homem, fixa-se em dores se não for em ti (Deus), ainda que, fora de ti e de si, se fixe em coisas belas, que no entanto não seriam nada se não fossem por ti”. 

Com construções de palavras belíssimas, racionais e extremamente lógicas, por exemplo em “(Agostinho) Era infeliz, mas toda alma tomada pela amizade das coisas mortais é infeliz e se dilacera quando as perde, porque então percebe a infelicidade pela qual era infeliz antes mesmo de perdê-las", o Santo busca demonstrar, através de sua própria história, o processo de “redescobrimento” do sentido de nossa vida. “De que maneira, então, procuro a vida feliz? (...) Mas para tanto é preciso que diga de que maneira a procuro, se pela lembrança, como se a tivesse esquecido e, esquecida, ainda a possuísse, ou pelo desejo de aprender algo desconhecido, porque nunca o conheci ou porque o esqueci tanto que nem lembro que o esqueci. A vida feliz não é aquela que todos querem e que não há absolutamente ninguém que não queira? Onde a conheceram, se a querem tanto? Onde a viram, para amá-la? É evidente que a conhecemos de alguma maneira”. Essas palavras soam como se pertencêssemos à um lugar distinto daqui e ansiássemos o tempo todo esse retorno, mesmo que inconscientemente. 

Apesar de a obra conter inúmeras passagens lindas, conceitos e exortações – e, diga-se de passagem, maravilhosamente bem escritas pelo Santo – quero chamar a atenção para um ponto importante e relevante que inferi e se constitui de maneira implícita nas palavras do Dr. da Igreja.

Quando trouxe no começo desse texto a ideia de algo elementar em nossa vida, que precede, em certa medida, as raízes de nossos pensamentos, tento apresentar uma forma de enxergar as situações com outros olhos: o de que existe uma linha, uma sequência de princípios, e que, para além disso, há formas de se lidar com ela; nossas angustias, medos e tristezas, já foram vividas por outros muito antes de nós, e mais, que sempre souberam superá-las. Não pretendo de forma alguma listar o que se deve fazer, mas somente apontar o que outros homens infinitamente mais dignos fizeram. Uma das respostas mais racionais, inevitavelmente, é o Cristianismo. Se Santo Agostinho sentiu-as, 1600 anos atrás, e encontrou suas respostas no catolicismo – ele que tinha dom para os estudos, sendo considerado extremamente inteligente por seus contemporâneos, dominando artes como a da gramática, lógica e retórica, e estudado afundo inúmeras doutrinas de grandes pensadores – por que nós também não o podemos fazer e ter um mínimo de ordem existencial?

É impressionante, e ao mesmo tempo de uma Beleza extraordinária, os ensinamentos que contém seus escritos – tão antigos e tão atuais – e que nos convida, quase que de maneira imperativa, a refletir sobre o que fazemos no dia a dia: “Quem conhece a Verdade a conhece e quem a conhece, conhece a eternidade. A caridade (Amor) a conhece.” Os ensinamentos de Cristo não foram feitos para a “sua época”, mas sim para todos os tempos. É mais ou menos nesse aspecto que reside a ordem que não pode ser perdida no emaranhado caótico de perdições e maldades em que somos atirados incessantemente todos os dias. 

Confissões, Santo Agostinho.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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