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13/08/2022 às 08h00min - Atualizada em 13/08/2022 às 08h00min

Cartas de um diabo a seu aprendiz

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
C.S. Lewis é, sem dúvidas, um dos maiores escritores do século XX, não só por conta de seus livros de ficção, que mexem de forma positiva com nosso imaginário, como ocorre por exemplo com as Crônicas de Nárnia, mas também pela maneira fantástica como ele aborda temas intrínsecos à nosso modo de vida, ou seja, as análises que ele faz sobre formas que, em regra, seriam algumas “menos piores” de se viver. Digo isso calcado nos ensinamentos do Cristianismo, por exemplo quando repete insistentemente sobre amar o próximo como a ti mesmo. Ninguém é ou conseguirá ser perfeito em suas atitudes aqui no mundo, e isso também lembra aquele famoso ditado de que “nem Cristo agradou todo mundo”, mas, contudo, há algumas possibilidades de nos tornarmos menos piores.

São sobre algumas dessas maneiras que Lewis escreve maravilhosamente suas obras e se ampara na religião cristã para fundamentá-las. É importantíssimo ressaltar, entretanto, que em momento algum de seus livros ele determina ou insista que o leitor se converta a doutrina A ou B. Pelo contrário, fica claro desde o início de cada livro que aquilo não se trata de uma convocação, de um convencimento, ou mesmo de uma insistente pregação para que sigamos determinada linha religiosa. Acredito que seja exatamente nessa característica que Lewis consegue nos convencer, nos convocar e pregar, não de forma simulada ou pegajosa, mas sim com a verdade no que diz.

A proposta desse livro aqui comentado, remete a ideia de como nossas inclinações podem, em certa medida, serem quase sempre corrompidas por uma “força” que não deseja em momento nenhum nosso bem. Se em alguma passagem de nossas vidas, fomos recompensados por algo que não fizemos por merecer, ou pior, que usamos de trapaça para conquistar, certamente sentiremos bem no fundo da alma que isso não é certo. Quando por exemplo, vamos a algum barzinho e tomamos 3 cervejas, mas o garçom anota apenas duas na comanda, surge aquele dilema, muito bem representado pelo diabinho num ombro e o anjinho no outro: o que fazer, pagar ou não pagar a conta corretamente? Pode até parecer uma questão simples, mas certamente representa muitas situações em nosso dia a dia. E essa decisão, sobre qual conselheiro ouvir, impactará diretamente em todas as áreas de nossas vidas. 

Lewis apresenta de forma bem humorada e simples, mas não menos incisiva, supostas cartas que um “importante” diabo envia ao seu sobrinho, que tenta ser promovido a diabo. Mostrando situações do cotidiano que não nos atentamos ou deixamos de lado por considerarmos detalhes “pequenos demais”, mas que são intencionalmente trabalhados para que os ignoremos. A questão que o livro expõe é que é justamente através dos pequenos deslizes que cometemos, que abrimos cada vez mais a passada para o lado oposto do paraíso. Fazem-nos pensar que não são tão importantes.  Se fizermos uma análise do tempo em que vivemos hoje, não existem mais os ditos “pecados grandes”, mas sim um compilado de pequeninos erros, talvez insignificantes demais quando os cometemos, mas que no final pesam demais na nossa trajetória.

“Faça com que ele continue se confortando com o pensamento sobre o quanto vai curtir sua cama na noite seguinte. Exagere o cansaço, fazendo-o pensar que ele logo vai passar, pois os homens usualmente sentem que uma tensão se torna insuportável no momento exato em que está acabando ou quando pensam que esteja acabando. Nisso, como no problema da covardia, a coisa a ser evitada é o compromisso total. Seja o que for que ele diga, faça com que ele tome a decisão íntima de não aguentar, seja o que for que venha sobre ele, mas de aguentar ‘por um período razoável de tempo’ -  e faça com que esse período seja mais curto que a provação provavelmente vai durar. Não precisa ser muito mais curto; nos ataques contra a paciência, a castidade e a fortaleza, o divertido é fazer o homem desistir precisamente quando o fim de sua agonia estiver quase à vista (ah, se ao menos ele soubesse...)”. 

Esse é um trecho da carta XXX, de Maldanado, o diabo, ao seu sobrinho aprendiz, em que o escritor demonstra uma das formas como o “diabinho” fica nos tentando a não fazer o que é certo. Muitas vezes, quando acreditamos que não vamos suportar mais, e ele deixa bem nítido que é justamente quase o fim do nosso sofrimento, desistimos de continuar nossa batalha e desmoronamos. 

Outro ponto que Lewis aborda aqui, é justamente a forma como somos tentados o tempo todo a não seguir os ensinamentos mais basilares que permitem ter um mínimo de ordem em nossas vidas, não apenas nas situações mais simples, mas também naqueles sentimentos e virtudes mais profundas, mais complexas, como por exemplo a serenidade, a coragem, a paciência e a temperança - analisando de forma racional, os pequenos erros nas decisões pequenas, nos levam a cometer grandes erros nas grandes decisões. É uma escala e por isso a importância de se cuidar e preocupar com as pequenas coisas. 

Vigiar nossos pensamentos e nossas pequenas ações se torna tão mais importante quanto praticar uma imensa doação de caridade. 

Cartas de um diabo a seu aprendiz, C.S. Lewis.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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