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16/07/2022 às 08h00min - Atualizada em 16/07/2022 às 08h00min

Em busca de sentido – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Arquivo Pessoal
Terminei o texto anterior falando acerca do sofrimento e como ele é inerente à nossa existência. Jordan Peterson discorre brilhantemente sobre esse tema em seus livros e suas palestras. Ele usa, em alguns momentos, o próprio Viktor Frankl como exemplo e diz que devemos encarar qualquer situação de frente, principalmente as ruins, e tentar encontrar uma maneira de tornar a dor significativa, seja para nós, de forma direta, ou para os que estão à nossa volta, de um modo que sirvamos de exemplo de superação.

Contudo, mesmo sendo importante, o sofrimento, a dor, não é um fim em si mesmo, ou seja, precisamos aprender a utilizá-lo a nosso favor e conseguir reaver beleza, mesmo nos momentos mais tenebrosos que passamos, e a partir daí, conseguirmos crescer, tanto espiritualmente, quanto mentalmente. Assim, seria um tanto quanto injusto com Frankl, se terminasse o texto sobre seu livro encerrando bruscamente daquele modo. De fato, a vida é sofrimento. Porém, o próprio Frankl, na segunda parte do livro, quando apresenta de forma bem simples alguns conceitos básicos acerca da Logoterapia, vai além do que comumente entendemos e somos acostumados a ouvir o sentido da vida.

A nossa mente, nosso entendimento sobre a vida, quando desprovido de um sentido, ou melhor, quando presente um sentimento de carência desse sentido, ele não é uma doença em si, mas certamente, como afirma Frankl, pode desencadear uma série de reações patológicas, e cita, como fatores de uma “síndrome neurótica de massa” que aflige os jovens, a depressão, agressão e a dependência das drogas. Estas, por sua vez, segundo ele, são devidas ao que se chama na logoterapia de “o vazio existencial”, ou seja, um sentimento de vacuidade e de falta de sentido.

Como o psiquiatra explicou sua visão sobre a morte e o sofrimento, de que ambos também compõem nossa vida, a busca por um sentido existencial é um fator preponderante que proporciona, não necessariamente uma vida perfeita, mas pelo menos um propósito que possibilite viver uma vida digna, e em sua maior parte, boa, e repetindo as palavras de Nietzsche, diz que “quem tem um “porquê”, supera qualquer “como””.

O sofrimento, entretanto, não pode e nem é condição sine qua non, indispensável, para o encontro desse sentido de vida. Frankl diz que o sentido está disponível “através” do sofrimento, quando inevitável, mas que quando evitável, o que realmente faz sentido é remover sua causa. Porém, mesmo se a pessoa não puder mudar a situação que causa seu sofrimento, pode escolher sua atitude frente a ele. 

Uma das diferenças do Logoterapia para as demais linhas de psicanálises, segundo Frankl, é que quando o logoterapeuta busca tornar a pessoa novamente consciente de si, num processo de retomada de controle emocional, o terapeuta não restringe sua atividade a fatos instintivos dentro do inconsciente do indivíduo, mas se preocupa também com as realidades existenciais, como por exemplo o sentido em potencial de sua existência a ser realizado, ou seja, o que ainda podemos concretizar com nossas possibilidades. A nossa vida acontece nas pequenas situações do dia a dia, nas microscópicas crises e tensões diárias, de forma que é sobre elas que devemos orientar nosso propósito, reaproveitando o que nos acontece. Não existe teoria ou ficção que substitua a realidade, e mesmo o conhecimento sendo de fundamental importância, sem a vida real não há onde aplicá-lo. 

Quando Frankl discorre sobre a essência da existência, apresenta o que ele denomina como ‘imperativo categórico’ da Logoterapia: “viva como se já estivesse vivendo pela segunda vez, e como se na primeira vez você tivesse agido tão errado como está prestes a agir agora”. Ele assevera assim, porque acredita que um dos motes de seu estudo é criar no paciente uma consciência plena de sua própria responsabilidade, pois em suma, é ele mesmo quem decide como deve interpretá-la, tanto perante a sociedade, como quanto a si próprio, e como agirá a partir de então, de forma que o terapeuta não se torna juiz, mas um mero guia.

Em certa medida, tenho notado de forma bem nítida, que o pano de fundo da existência da humanidade caracteriza-se pela aura do cristianismo. É como se todas as coisas convergissem para ele no fim das contas. Acredito que esse trecho que o psiquiatra descreve no livro descreve bem isso: “Ao declarar que o ser humano é uma criatura responsável e precisa realizar o sentido potencial de sua vida, quero salientar que o verdadeiro sentido da vida deve ser descoberto no mundo, e não dentro de uma pessoa humana ou de sua psique, como se fosse um sistema fechado. Chamei essa característica constitutiva de ‘a autotranscendência da existência humana’. Ela denota o fato de que o ser humano sempre aponta e se dirige para algo ou alguém diferente de si mesmo – seja um sentido a realizar ou outro ser humano a encontrar. Quanto mais a pessoa esquecer de si mesma – dedicando-se a servir uma causa ou a amar outra pessoa -, mais humana será e mais se realizará. O que se chama de autorrealização não é de modo algum um objeto atingível, pela simples razão de que quanto mais a pessoa se esforçar, tanto mais deixará de atingi-lo. Em outras palavras, a autorrealização só é possível como efeito colateral da autotranscendência”. Isso é decorrência do ensinamento máximo de Cristo – “amar Deus acima de todas as coisas e ao seu próximo como a ti mesmo” – a Caridade. 

Além de encontrar sentido em algum trabalho ou pela atitude que tomamos frente ao sofrimento, outras maneiras de obtê-lo, de acordo com a Logoterapia, é experimentando a natureza e a cultura, experimentando outro ser humano em sua originalidade única – amando-o – ou então experimentando algo, como a Verdade, a Beleza e a Bondade. E também isso encontramos no Cristianismo. 

O livro de Frankl não é sobre religião. É sobre encontrar uma maneira de encarar nossa vida não apenas como uma passagem transitória e a esmo, mas sim dotada de potencialidades distintas que podem ser concretizadas a cada instante. Devemos viver o agora, com ciência da responsabilidade que temos de dar uma resposta ao que a vida nos indaga.

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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