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09/07/2022 às 08h00min - Atualizada em 09/07/2022 às 08h00min

Em busca de sentido

EDMAR PAZ JUNIOR
Por várias vezes nos perguntamos, como seres humanos, qual seria nosso propósito de vida. Caímos numa questão sem resposta exata ou, pelo menos, nem um pouco nítida. Contudo, mesmo sem nenhuma sinalização de resposta, necessitamos continuar essa busca. É interessante notar, que muitas vezes dividimos as situações que acontecem conosco de duas formas: ou de maneira positiva, e isso nos impulsiona, nos empolga a continuar a caminhada; ou de modo negativo, que nos puxa para baixo, nos deprime e muitas vezes faz com que simplesmente não desejemos mais seguir. Em regra, o que nos acontece de bom, não tem a capacidade de nos incomodar psicologicamente; pode nos acomodar, mas não tem o poder de paralisar uma pessoa. Já as situações ruins são vistas como pedras que além de atrapalhar nosso caminho, podem simplesmente, em seu grau máximo, acabar com uma vida.

A questão é que podemos olhar de forma positiva e negativa tanto para situações boas quanto para situações ruins. 

Visto de grosso modo, é como se apenas as coisas boas fizessem sentido, como se somente elas fossem dotadas de capacidade de nos impulsionar adiante. Mas ao olhar por essa perspectiva, acabamos por fazer um recorte de nossa vida, delimitando-a e desconsiderando uma série de situações ruins e até desagradáveis que nos acontecem diariamente, mas que também tem o condão de agregar. Aliás, muitas vezes só conseguimos o que queremos porque em algum momento algo deu errado e podemos corrigir nossa rota. 

Gosto de pensar que conseguimos realizar em média 10% daquilo que planejamos, pois quase todos os resultados daquilo que fazemos estão fora do nosso alcance. Claro que, como já até falado aqui nessa coluna, isso não significa abandonar completamente o leme do barco e deixar que o vento nos leve para qualquer direção. Não ter controle sobre os resultados não implica necessariamente ter desordem na plantação. Colhemos aquilo que plantamos, mais cedo ou mais tarde. Seja nessa vida ou na eternidade. 

Mas mesmo quando fazemos tudo certo, quando entendemos que devemos cuidar das nossas “plantações”, algo pode sair errado. Muito errado. Pior, pode ser tão ruim que não conseguimos nem sequer continuar, no mínimo, desejando viver. A nossa maior prisão é a nossa mente. Mas proporcionalmente, é também nosso maior trunfo de liberdade. 

É sobre como assimilamos as coisas ruins que nos acontecem, que o psiquiatra Viktor Frankl escreve seu livro. Poderíamos até tomar por um livro comum que fala acerca de psicologia comportamental, que pode nos ser útil em algum momento ou detalhe que agregaríamos em nosso cotidiano. Contudo, não é apenas isso. Há um diferencial gigantesco nessa obra: o próprio autor passou por uma situação absolutamente extrema, talvez uma das piores páginas da história da humanidade, quando ficou recluso nos campos de concentração nazistas. 

O psiquiatra austríaco já desenvolvia seu trabalho sobre os conceitos e ideias da logoterapia (considerada a terceira escola vienense de psicoterapia, tendo como precedentes Freud e Adler), quando caiu nas mãos dos soldados de Hitler. Por meio de sua teoria, Frankl busca explicar que todas as pessoas são dotadas de um sentido existencial e que a busca por esse sentido é a principal força motivadora do ser humano.  

Nesse ponto, exatamente no momento em que foi preso, que acredito estar a magistralidade do seu trabalho: talvez, qualquer pessoa comum simplesmente abandonaria o trabalho de uma vida, se entregaria, reclamaria, se vitimizaria e provavelmente não resistiria muito tempo aos trabalhos forçados e sucumbiria ao sofrimento; porém, qual lugar seria mais propício para um psiquiatra desenvolver uma teoria sobre psique humana, que tentasse analisar como as pessoas se comportariam diante de situações extremas e mesmo assim buscassem alguma forma de crescer mentalmente, do que um campo de concentração? Ali, como narra as histórias, muitos se anularam, sobrevivendo quase como uma espécie de vida sub-humana, e tantos outros preferiram, nas palavras do autor, “ir para o fio”, ou seja, tocar no arame farpado, eletrificado em alta tensão e se suicidarem.   
  
“Sob a sugestão de um ambiente que há muito deixou de dar o menor valor à vida humana ou à dignidade das pessoas, mas que faz de pessoas objetos destituídos de vontade, peças de uma política de exterminação, que é adiada apenas para a exploração dos últimos restos de capacidade física de trabalho – exposto a essa sugestão generalizada, o próprio eu só pode mesmo acabar desvalorizado”. 

A narrativa do autor, contando histórias que ele mesmo sofreu na pele, demonstra a surrealidade do que acontecia dentro dos campos, mas numa perspectiva psicológica daqueles que sofreram. Mesmo assim, o psiquiatra busca apresentar uma possível saída, por pior que seja o sofrimento que se passa. 

“A maioria preocupava-se com a questão: ‘Será que vamos sobreviver ao campo de concentração? Pois, caso contrário, todo esse sofrimento não tem sentido’. Em contraste, a pergunta que me afligia era outra: ‘Será que tem sentido todo esse sofrimento, essa morte ao nosso redor? Pois caso contrário, afinal de contas, não faz sentido sobreviver ao campo de concentração’. Uma vida cujo sentido depende exclusivamente de se escapar com ela ou não e, portanto, das boas graças de semelhante acaso – uma vida dessas nem valeria a pena ser vivida.”

Os sofrimentos são inerentes a cada um, variando em intensidade, e cada indivíduo assimila de uma forma. O que Viktor Frankl deixa bem claro é que, não importa o tamanho da sua dor, sempre há uma possibilidade de superá-la. “A vida é sofrimento, e sobreviver é encontrar sentido na dor. Se há, de algum modo, um propósito na vida, deve havê-lo também na dor e na morte. Mas pessoa alguma pode dizer o que é esse propósito. Cada um deve descobri-lo por si mesmo e aceitar a responsabilidade que sua resposta implica”.

Em busca de sentido, Viktor E. Frankl.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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