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25/06/2022 às 08h00min - Atualizada em 25/06/2022 às 08h00min

Como ser um conservador

EDMAR PAZ JUNIOR
A sociedade atual entrou numa espécie de espiral de ansiedade, em que tudo o que se faz é visando a otimização do tempo. De certo modo, é bem lúcido esse anseio por sua melhor utilização, pois sabemos quão finita é nossa vida. A grande questão é a forma como o tempo otimizado é utilizado. Estamos absortos em uma geração que não consegue se concentrar em coisas valorosas, algo que de fato acrescenta conhecimento e que possa ajudar nesse caos que é nossa experiência terrena. Sempre falo sobre ler bons livros, assistir bons filmes e ouvir boas músicas, porque isso povoa e enriquece nosso imaginário. Mas estamos no meio da geração dos 30 segundos, que quer tudo para ontem, tão perdida em sua direção, que um ato tão rotineiro, como requentar um alimento no forno micro-ondas se torna significativo: a pessoa sabe que o tempo para cozimento de determinado item é de 2 minutos, mas ela esquenta por 30 segundos e retira para avaliar se já está no ponto. É um exemplo bem grotesco, mas que acredito guardar uma relação análoga com um dos pontos principais do conservadorismo – coisas boas levam um tempo certo para serem testadas, provadas e sedimentadas na sociedade, e a revolução brusca e total não significa exatamente uma melhora como consequência. 

Roger Scruton, foi escritor e filósofo britânico, um dos grandes precursores do conservadorismo moderno, e conseguiu condensar bem esse pensamento nos dias atuais. Conservar não significa manter algo a todo custo – ou como os progressistas tentam fazer parecer, esvaziando os sentidos e significados das palavras, um extremismo radical contra tudo o que é novo. Já disse G.K. Chesterton, outro grande filósofo britânico, “fazem-se afirmações com tanta simplicidade e certeza que quase ninguém tem a coragem moral de as ponderar e descobrir que elas não se sustentam”.

Ser contra mudanças não passa nem perto do que realmente significa preservar, uma vez que, em regra, só conservamos aquilo que tem valor para nós, ou seja, algo que seja bom. Se conseguimos identificar que determinada situação não será benéfica a longo prazo, qual vantagem haverá em preservá-la? O que se busca não é o preço, mas o valor daquilo que nos é importante. “No entanto, aquelas coisas que valorizamos são exatamente as que hesitamos em atribuir um preço, como a vida, o amor e o conhecimento. O valor começa onde termina o cálculo, pois o que mais nos importa é aquilo que não trocaremos”, diz Scruton.

O que o filósofo nos ensina na obra é que o conservadorismo é muito menos uma ideologia do que um modo de se viver. Está tão arraigado na complexidade da nossa vida, mas que, diante dessa demasiada carga de propaganda a que somos submetidos diuturnamente, somos solapados do mero vislumbre do impacto que as tradições causam em nosso cotidiano.

O autor apresenta esse conceito através de vários pontos, que por si mesmos não são exclusivos, não se limitam apenas a tais ideias, mas que nos dão uma noção do que significam quando integrados. Discorrendo sobre assuntos como nacionalismo, capitalismo, liberalismo, multiculturalismo e internacionalismo, Scruton percorre vários níveis da nossa vida em sociedade e apresenta uma teoria clara e concisa do conservadorismo. Quando caminhamos por esses pensamentos, temos a ligeira impressão de que algo nos foi tirado à força, como se estivesse faltando alguma página de um livro de história, mas que foi arrancado de uma maneira imperceptivelmente sutil. Por mais que notamos sua falta, não buscamos o seu preenchimento da forma como deve ser feito, com algo de valor ou útil, justamente pelo excesso de falsas “opções” que as propagandas nos bombardeiam. 

Scruton diz, por exemplo, que “o conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. Isso é verdade, sobretudo, em relação às boas coisas que nos chegam como bens coletivos: paz, liberdade, lei, civilidade, espírito público, a segurança da propriedade e da vida familiar, tudo o que depende da cooperação dos demais, visto não termos meios de obtê-las isoladamente. Em relação a tais coisas, o trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante. Esta é uma das lições do século XX. Também é uma razão pela qual os conservadores sofrem desvantagem quando se trata de opinião pública. Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa”. É um verdadeiro “bolo com gilete”, quando vendem uma solução fácil para um problema complexo, como o da igualdade de classes: todos querem o bem das pessoas, mas promover igualdade de oportunidade é diferente de incentivar igualdade de resultados – todos têm o direito de começar iguais, mas não podemos obrigar todo mundo a terminar da mesma maneira (alguns nem mesmo querem terminar a “corrida”).

São grandes as falácias que permeiam o pensamento conservador, principalmente por conta das pautas dominadas pelos progressistas, como por exemplo a do ambientalismo. Ser a favor de políticas que incentivem a agricultura ou que permitam um melhor aproveitamento das riquezas naturais, com um certo abrandamento das limitações legislativas, não significa ser contra a preservação do meio ambiente ou favorável ao desmatamento. Quando esse tipo de pensamento aparece, caímos na dicotomia do “se não é A, é B”, um artífice tão perigoso usado pelos progressistas nos dias atuais, já que limita consideravelmente nossa visão de mundo. Por isso a importância urgente de se buscar conhecimento, principalmente em livros e autores distintos do que os propagados nos últimos anos. E Scruton é um excelente começo.

Como ser um conservador, Roger Scruton. 


 *Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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