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03/05/2022 às 08h00min - Atualizada em 03/05/2022 às 08h00min

Cilibrinas do Éden

ENZO BANZO
Cilibrinas do Éden é um disco que existe e que não existe. Um disco que foi gravado, mas não foi lançado. Se hoje o podemos ouvir, em vinil ou em links na rede, é graças às belezas da pirataria. Esse gesto de contravenção, aliás, tem tudo a ver com o que foi as Cilibrinas do Éden, e com as duas artistas que formavam o grupo, em 1973: Rita Lee e Lucinha Turnbull. 

As Cilibrinas do Éden se juntaram logo após a saída de Rita dos Mutantes, uma separação movida a tretas que até hoje repercutem. Rita já havia deixado sua marca como vocalista e performer daquela banda desbravadora que surgiu junto da explosão tropicalista de 1967, tocando “Domingo no Parque” com Gilberto Gil no auge da era dos festivais televisivos de música. Lúcia, que alguns apontam como a primeira guitarrista brasileira, vivia desse tal de rock’n’roll em um momento em que isso era muito novo e improvável, sobretudo para uma mulher. Uma rockeira avant la lettre.

Pois Rita saiu dos Mutantes e juntou-se à sua comparsa Turnbull para formar o grupo de sugestivo nome Cilibrinas do Éden, em 1973. As duas chegaram a se apresentar, só com vozes e violões, no festival Phono 73, que reunia os grandes nomes da cena da canção popular do Brasil naquele momento. O caminho de Rita parecia se direcionar para uma nova banda, ao lado da parceira. Mulheres tocando, dividindo vocais, pirando. Veio daí a gravação do disco das Cilibrinas do Éden, que se chamaria Tuti-Fruti.

Tuti-Fruti acabou se tornando o nome da banda que passou a acompanhar Rita Lee em carreira solo a partir de 1974, da qual Lucinha Turnbull participou como guitarrista, na primeira formação. Isso porque a gravadora achou melhor engavetar o disco e a carreira das Cilibrinas, preferindo focar suas energias e estratégias em uma carreira solo para Rita Lee, o que de fato se cumpriu.

Se o disco não chegou a ir para a fábrica, o fato é que as gravações passaram a circular em fitinhas piratas de aficionados por raridades. Veio a internet e logo apareceu em links para download. Hoje é só buscar no YouTube, lá está. A versão em vinil foi lançada em uma produção pirata gringa, aquele tipo de pirataria que copia os mínimos detalhes, até a marca da gravadora que não quis lançar o disco.

É a cópia perfeita de algo que não existe no mundo da realidade oficial. Mas o som está gravado, é real que vira sonho, como canta o primeiro verso do álbum: “não sei se estou pirando ou se as coisas estão melhorando”. Verso, aliás, conhecido, pois “Mamãe Natureza”, a faixa de abertura das Cilibrinas, foi aproveitada no primeiro disco de Rita Lee, “Atrás do porto tem uma cidade”. Várias outras músicas das cilibrinas depois pintaram em trabalhos posteriores de Rita Lee.

Mesmo conhecendo parte do repertório, vale muito ouvir o disco Cilibrinas do Éden, com seu clima setentista de rock rebeldia debochada, com sua atitude contestadora diante de um país que vivia uma ditadura militar, diante da força vital das presenças de Lúcia e de Rita. Prepare o play e os ouvidos, porque como cantam as duas em uma das faixas: “vamos voltar ao princípio porque lá é o fim”.

*Texto escrito a convite de Beto Oliveira, para o projeto Museu Virtual do Disco de Vinil, lançado com apoio do Programa Municipal de Incentivo à Cultura. Além de mim, vários outros artistas, pesquisadores e amantes da canção brasileira e dos discos de vinil apresentam filmetes sobre uma seleção de álbuns da maior importância. Fica o convite para visitar: museuvirtualdodiscodevinil.com.br


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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