Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
09/04/2022 às 08h00min - Atualizada em 09/04/2022 às 08h00min

A Incrível Viagem de Shackleton

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Existem histórias que nos inspiram, geralmente por conta da audácia proposta por certos homens e do processo de superação que ocorre durante um determinado tempo. Os seres humanos são incríveis e capazes de realizações muitas vezes inimagináveis. Inevitavelmente vem à minha mente a ideia de que sempre vamos conseguir o que desejamos, quando o fazemos de coração.

Essa obra escrita por Alfred Lansing é na verdade um documentário acerca de uma expedição que aconteceu em 1914. Numa época em que os homens ainda “desbravavam” o planeta à moda antiga, através de navios, o capitão do Endurance, Sir Ernest Shackleton, se propôs a fazer uma travessia a pé pela Antártica. A proposta era aportar de um lado e atravessar o continente caminhando, com a ajuda de cachorros e trenós, e retornar à Inglaterra pelo outro lado. O autor reuniu e descreveu os fatos através de depoimentos dos tripulantes, relatos de amigos e também por ter tido acesso à vários diários de alguns homens que participaram da aventura, conseguindo apresentar de maneira impressionante as sensações vividas pelos integrantes do navio.

A travessia, nomeada de Expedição Imperial Transatlântica, por si só já seria demasiadamente complicada, tanto pelas condições adversas de temperatura, quanto principalmente pelos meios disponíveis para dar suporte material aos homens, já que naquela época não existiam nem metade dos equipamentos tecnológicos que dispomos hoje. A navegação, por exemplo, foi realizada por meio de um sextante e para isso eram necessários mapas e o céu aberto, para que um dos tripulantes pudesse definir a localização em que se encontravam.

De início podemos achar um tanto quanto insana essa viagem. Mas se analisarmos, não a viagem em si, mas o que motiva os homens a se superarem, podemos compreender o que desejava o capitão Shackleton: o impulso de cravar o nome na história da humanidade, de fazer algo que ficaria eternizado. Esse desejo é comum a todos e em algum momento de nossas vidas temos aquele sentimento no fundo da alma de que devemos fazer algo bem específico, que apenas nosso coração parece conhecer. O problema é que a imensa maioria das pessoas não consegue identificá-lo, e quando o identifica, prefere permanecer na média imposta pela sociedade e pelo meio em que convive, justamente por medo de “sair algo errado”. A questão é que um dos meios mais eficazes que nos proporcionam crescimento é exatamente quando as coisas dão errado, mostrando que somos capazes de sempre nos superar e nos tornarmos mais fortes. Marcar ou não o nome na história não é o elemento essencial de nossa existência, mas buscar a superação a todo instante sim.

Ao ter o barco preso e destruído por um banco de gelo no mar de Wendell, um dos lugares mais inóspitos do planeta, a tripulação se viu obrigada a sobreviver por mais de seis meses sobre placas de gelo, sempre em constante atenção, pois a qualquer momento elas poderiam rachar e jogá-los ao mar. Com o barco naufragado, começaram a se organizar com os botes salva-vidas e reforçando-os com pedaços do Endurance que davam para serem aproveitados, tentavam aos poucos mudar e se aproximar do que acreditavam ser uma saída: qualquer abertura das placas que surgisse para o mar aberto. O problema também consistia na angústia dessa espera, ou seja, ao mesmo tempo em que eles estavam apreensivos com a possibilidade de serem lançados ao mar congelante, precisavam estar atentos e identificar uma dessas aberturas que permitiriam que eles voltassem a navegar em alto mar, mesmo que fosse nos botes salva-vidas, numa dança insana entre medo e esperança. 

A descrição que Lansing apresentou consegue transmitir com tamanha fidelidade as sensações vividas pelos homens ali presentes que quase conseguimos sentir o frio e a solidão que eles passaram. “No ar frio e cortante, qualquer som podia ser ouvido a uma distância incomum”(...)” Naquela noite, Shackleton anotou simplesmente em seu diário que o Endurance afundara e acrescentou: ‘Não consigo escrever a respeito’. Assim, estavam sós. Agora, em qualquer direção, não se avistava nada além de gelo infinito. Sua posição era 68º38 ½’ Sul, 52º28’ Oeste – um lugar onde ninguém jamais estivera, e nem se podia imaginar que alguém um dia jamais pudesse desejar conhecer”. Qual será a sensação de se estar completa e absolutamente isolado do mundo? Ao ler esses trechos passa até um breve calafrio e arrepio na espinha.
Um outro ponto interessante são as consequências que uma decisão pode ter. Antes de o barco ficar preso no banco de gelo, o capitão teve a oportunidade de atracar em terra firme por uma brecha que se abriu no mar, mas Shackleton acreditou que ainda não era o ponto certo para realizar a ancoragem. Podemos até pensar que talvez eles teriam concluído a aventura se escolhessem desembarcar na primeira vez que avistou a terra, mas quem garante isso? E se parassem e fossem pegos por uma tempestade de neve e ficassem todos congelados? E se...?

Trazendo este questionamento para a nossa realidade atual, existem várias escolhas que fazemos durante nossa vida - e que não há como saber os resultados antecipadamente - mas que necessariamente precisam ser feitas. Um emprego novo, uma oportunidade de mudança ou um amor, devemos encarar e tomar uma decisão, pois geralmente o futuro foge um pouco ao nosso controle. Uma das grandes lições que o livro transmite é o quanto podemos ser resilientes e anti frágeis em situações completamente adversas e crescer com as crises, pois mesmo que algo não saia como o esperado, é da nossa essência continuar seguindo em frente sempre.

A Incrível Viagem de Shackleton, Alfred Lansing.
 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90