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26/03/2022 às 08h00min - Atualizada em 26/03/2022 às 08h00min

Rápido e devagar

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Não sou adepto do tipo de pensamento ao qual somente se consideram válidos argumentos que provém de fontes reconhecidas por suas certificações, ou seja, que só devemos acreditar em quem tem “diploma acadêmico”. Acredito assim, primeiro porque a verdade não é exclusiva de pessoas, mas sim do universo, de forma que qualquer um pode ter acesso a ela e, segundo, porque na grande maioria das vezes há uma nítida influência pré-determinada nas academias e centros universitários que buscam não a adequação dos ensinamentos ao plano real, mas sim o enquadramento da sociedade em situações restritivas.

Contudo, farei um pequeno paradoxo hoje, utilizando a “validação” exigida para demonstrar que tudo pode ser facilmente manipulado. Não somos senhores da nossa própria mente, como muitos desejam acreditar. Podemos, na verdade, direcioná-la e treiná-la para que ela seja eficiente principalmente expandindo nosso repertório de conhecimento. A inteligência não diz respeito apenas à capacidade de raciocinar ou pensar. É também, e de certa forma bem mais exigido hoje em dia, a capacidade de encontrar material relevante na memória e mobilizar a atenção quando necessário. Esse é um dos motivos que insisto tanto na essencialidade de se buscar bons conteúdos, aqui no caso, tendenciosamente aos livros, uma vez que nossa mente recorre a eles quando é preciso raciocinar.

Claro que é praticamente impossível filtrarmos absolutamente tudo o que vemos ou ouvimos, mas às vezes é importante colocar certos limites e focar no que é bom para nós. Não quero dizer que a pessoa não possa ler qualquer espécie de livro, ruins ou vazios, ou assistir programas de TV, mas ficar vendo dancinhas no tik tok o tempo todo e só consumir futilidades certamente vai impactar negativamente nossa saúde mental.

Daniel Kahneman é ganhador do Prêmio Nobel de Economia pelo seu trabalho que analisa a forma como pensamos. Ele dividiu a nossa mente em basicamente duas partes, que denomina de sistemas 1 e 2: enquanto o sistema um é intuitivo e rápido, o sistema dois é mais deliberativo, racional e lento. Quando recebemos alguma informação externa ou nos vemos diante de uma determinada situação, nosso cérebro age, primeiro por meio do sistema 1, que busca em  seu “acervo” objetos de comparação para que possa decidir o que fazer a seguir. 

Geralmente, são situações corriqueiras, que fazem parte do nosso dia a dia, ou seja, tarefas que estamos acostumados a realizar como, por exemplo, dirigir até o trabalho. É bem simples decidir a rota que tomaremos até o local do trabalho, e o sistema 1 é mestre nisso.
 
O sistema 2 entra em ação quando precisamos desenvolver algum trabalho que demanda mais racionalidade, ou bem a grosso modo, quando precisamos pensar. Um dos “problemas” identificados por Kahneman é que esse nosso sistema, apesar de ser mais racional, confiável e muitas vezes até mais justo, é proporcionalmente mais preguiçoso também. 

Quando não temos noção que esse processo acontece em nossa mente, permitimos ficarmos reféns da aleatoriedade, ou seja, não conseguimos distinguir qual sistema está operando no momento em que vamos realizar determinada tarefa e, com isso, em situações que demandam a ação do sistema dois, por conta de exigir mais racionalidade, permitimos que o sistema 1 realize um trabalho que não é nosso. 

É bem interessante a maneira como o autor apresenta essa substituição de “funções” que ocorre no nosso cérebro, dizendo ainda que o sistema 1 busca coerência com o sistema 2 e este, por ser preguiçoso, simplesmente endossa as decisões do sistema 1. Acredito que isso, em alguma medida, pode ser uma das explicações para a exagerada automatização das pessoas nos dias atuais, já que a tendência do ser humano é o mínimo esforço e, em alguns casos, levamos isso a sério demais, pois ao invés de refletir sobre o que devemos fazer, simplesmente reproduzimos respostas prontas para problemas complexos.  

O nosso sistema 1 é completamente insensível em relação à qualidade e quantidade das informações, o que gera uma carga imensa de conclusões precipitadas com base em evidências muito limitadas, e esse é o perigo do sistema 1. Kahneman chama esse processo de WYSIATI, “what you see is all there is”, ou “o que você vê é tudo o que há”, e diz que ele “facilita a conquista de coerência e do conforto cognitivo que nos leva a aceitar uma informação como verdadeira. Explica por que podemos pensar com rapidez e como somos capazes de extrair sentido de informação parcial em um mundo complexo. Na maior parte do tempo, a história coerente que montamos é próxima o suficiente da realidade para apoiar uma ação razoável”.

De certo modo, mais uma vez entramos na questão de se criar possibilidades, de que nossa vida não pode ser limitada a uma determinada situação e que cabe a nós aumentarmos o repertório de respostas para nosso cérebro, de forma que consigamos evoluir e crescer sempre. Uma das ideias de conquista do sucesso passa por esse processo, ou seja, a pessoa de sucesso não é necessariamente melhor que as demais, apenas tem uma resposta eficiente mais rápida. Busque sempre bons livros, filmes e programas de TV, filtre o máximo possível as coisas que vai consumir, por que é o que faz com que possamos nos desenvolver intelectualmente, e entender como nossa mente trabalha também é fundamental nessa jornada.

Rápido e Devagar, Daniel Kahneman

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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