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10/03/2022 às 08h00min - Atualizada em 10/03/2022 às 08h00min

Tudo é disparate

IVONE ASSIS
Há duas semanas o mundo inteiro sofre com a guerra na Ucrânia. Os próprios russos protestam contra a loucura de seu governante. Em uma guerra não há heróis, há sobreviventes. Não se ganha uma guerra, tira-se o direito de alguém. Desde que nasci, ouço um discurso pela paz mundial. Como é possível pensar em paz mundial se todos os dias mais e mais armamentos nucleares são produzidos? Há uma frase atribuída a Albert Einstein, a qual ainda não confirmei sua veracidade, mas citarei por ser uma frase contundente: “Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus”.

Mas há uma outra Guerra, ainda pior, que é a guerra civil em prol de posições societárias, sob o jugo da desigualdade social, em que nações vão sendo oprimidas, mais e mais, pelo seu próprio povo. A opressão vem do desejo de soberania, em que não importa se é o governo, se é o representante de um grupo, se é um indivíduo à frente do discurso... Aquele que adquire o poder de fala quer o poder de dominação e, para tanto, se esquece de que a liderança vem pela conquista e não pela opressão. Desse modo, como é possível pensar em paz mundial se a sociedade está mais preocupada com seu status do que com a sobrevivência de seu próximo?
Lembremos de Maquiavel, quando este proferiu: “Para bem conhecer o caráter do povo, é preciso ser príncipe, e para bem conhecer o do príncipe, é preciso pertencer ao povo”. Sem emprego e sem oportunidades, qualquer um pode se contradizer, porque a fome não tem piedade. Tantas pestes, e tantas guerras, e tantas ciências, e tantos governantes, e tantos milênios, contudo, a maior “causa mortis” mundial de todos os tempos continua a ser a fome.

Jean-Jacques Rousseau afirmou muito bem: “O povo, por ele próprio, quer sempre o bem, mas, por ele próprio, nem sempre o conhece”. O (re)conhecimento está intimamente relacionado ao pertencimento e ao amor, o discurso, por si, tende a basear-se nos interesses de cada um que faz o discurso. O pensamento em prol da sociedade deve ser com distanciamento de interesses próprios, contudo, e contraditoriamente ao que acabo de dizer, deve também espelhar-se em seu desejo. O pensar com distanciamento é pensar no todo, no povo conhecido e desconhecido, e o espelhar-se em si é oferecer aquilo que você ofereceria a si e aos seus entes mais amados. Ninguém, em sã consciência, deseja o pior para si, ou para os seus. Quando governantes e homens comuns ofertarem o melhor (e não as sobras repudiadas) ao que espera deles um auxílio, por certo, teremos nações mais promissoras.

A chave do sucesso se chama Amor, e não Guerra. Deus criou o homem, para amar e para lutar lado a lado, por ideais melhores. Ninguém precisa destruir o outro para alcançar seus objetivos. O homem, de algum modo, sempre buscou construir seu império por meio da destruição do outro, mas não se dá conta de que, com isso, destrói a si e ao seu povo. O planeta é redondo, e isso não deixa dúvidas de que o centro de um é o centro de todos.

O poema “Sociedade”, de Carlos Drummond de Andrade, diz: “O homem disse para o amigo: / — Breve irei a tua casa / e levarei minha mulher. / O amigo enfeitou a casa / e quando o homem chegou com a mulher, / soltou uma dúzia de foguetes. / O homem comeu e bebeu. / A mulher bebeu e cantou. / Os dois dançaram. / O amigo estava muito satisfeito. / Quando foi hora de sair, / o amigo disse para o homem: / — Breve irei a tua casa. / E apertou a mão dos dois. / No caminho o homem resmunga: / — Ora essa, era o que faltava. / E a mulher ajunta: — Que idiota. / — A casa é um ninho de pulgas. / — Reparaste o bife queimado? / O piano ruim e a comida pouca. / E todas as quintas-feiras / eles voltam à casa do amigo / que ainda não pôde retribuir a visita”.

A ambição humana além de tirar o sustento alheio ainda é capaz de desdenhar-se dele, na mais absoluta estupidez, como se isso fizesse sentido. Sem honra, tudo é disparate.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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