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26/02/2022 às 08h00min - Atualizada em 26/02/2022 às 08h00min

Justiça

EDMAR PAZ JUNIOR
Um tema polêmico. Praticamente tudo o que se relaciona com a natureza humana, ou que dependa de análises subjetivas, se torna demasiadamente complexo de se entender, inclusive para se refletir sobre. O que me faz feliz pode não ser o mesmo que faz você feliz.

Se pararmos para analisar, até mesmo algumas pessoas em ambientes distintos dos quais costumam frequentar, alguns gestos impensados, palavras colocadas fora de contexto e muitas vezes um breve olhar, podem ser motivos de desentendimentos, simplesmente porque algo não saiu como esperávamos ou porque acreditamos que fosse direcionado para nós. A interpretação, ou modo como assimilamos o que recebemos, é peça fundamental do emaranhado de relações que desenvolvemos quando vivemos em sociedade.

O que é Justiça e o que é ser Justo? Depende. Se nem mesmo um alimento ou uma simples pintura de parede se torna consenso de todos, que dirá então um conceito tão complexo quanto a Justiça?

Assim, uma simples pergunta feita e já adentramos ao campo da subjetividade que permeia todos os pontos da nossa vida. O que é algo normal em um determinado país, como pena de morte, não é para nós aqui no Brasil. Quando algum comerciante se aproveita de uma catástrofe para aumentar os preços, diante da regra da oferta e demanda, uns podem achar justo, outros não. Se alguém nutre uma inimizade por uma pessoa, e essa faz algo que seja errado, na opinião daquela, deve ser punida. Contudo, se algum amigo ou familiar faz algo contra a lei, já começa o “Mas peraí, não é bem assim...”.

Por que então, diante de um mesmo fato, têm-se duas posturas diferentes? Essa é uma das questões que Sandel aborda na sua obra e ao trazer exemplos marcantes, nos faz refletir sobre o que realmente sabemos e entendemos em relação ao significado de coisas corriqueiras que praticamos todos os dias. O tema principal do livro é o conceito de Justiça, mas anexado junto a ele, como que acessórios, surgem vários outros, como por exemplo, a própria ideia de felicidade, e percebemos o quanto não nos questionamos sobre circunstâncias que estão à nossa volta.

Dentre as várias histórias que o autor apresenta no livro, algumas são um tanto quanto intrigantes e como dito, colocam um baita ponto de interrogação na nossa cabeça, como no exemplo de uma cidade onde todos são felizes, mas com um detalhe: para que reine a felicidade geral, é necessário que uma pequena garotinha seja constantemente torturada nos subsolos da cidade. A pergunta que ele coloca para os leitores é se seria válido ou até que ponto isso seria justificável e, esmiuçando a teoria do Utilitarismo por vários autores, ele pondera se o sofrimento deliberadamente proposital, mesmo que seja de uma única pessoa, vale a felicidade de milhares. Escolher apenas uma pessoa para sofrer no lugar dos demais, a troco da felicidade, ainda que certa, se tornaria uma solução moral justa?

Entre outras, Sandel aborda e discorre sobre as ideias de Aristóteles, Immanuel Kant, Stuart Mill, e também sobre a Teoria da Justiça, de John Rawls. É interessante a ideia que ele apresenta de Equidade. Segundo Rawls, todos os legisladores deveriam criar leis “sob o véu da ignorância”, à qual se atrela a ideia de que quando se pensa em uma lei, não se deve tentar prever a quem ela beneficiará. Os argumentos são muito bons a favor da ideia de Rawls, e mesmo que saibamos sempre existir exceções, não seria nada mal que ela fosse tida como regra. Afinal, elaborar uma lei sem saber se os beneficiados ou atingidos por ela seriam negros ou brancos, mulheres ou homens, pobres ou ricos, certamente fariam com que houvesse cada vez mais igualdade entre as pessoas.

Um exemplo prático de como as pessoas pensam em leis imaginando o seu fim aconteceu comigo numa aula do curso de direito: o professor incentivou o debate sobre pena de morte e o principal argumento de uma aluna que era contra foi: “E se um dia acontecer comigo ou com minha família?”. Só irá acontecer se fizer alguma coisa que for contra a lei.

Infelizmente, em nosso país é comum vermos que apenas pequenas classes se beneficiam das normas, sejam em leis isoladas e criadas por prazo determinado, ou sejam em conjuntos de leis que ditam o ritmo da sociedade, e que geralmente a classe política está em todas.

Estas são reflexões que valem a pena começarmos a pensar, principalmente sobre em qual ordem de valores estamos colocando a moral. Será que a “lei de Gérson” (Aquela em que a pessoa só quer levar vantagem o tempo todo), ou o popular jeitinho brasileiro são realmente necessários e benéficos? De jeitinho em jeitinho a sociedade vai cavando cada vez mais fundo para enterrar o respeito ao próximo e a ética nas relações interpessoais e Sandel apresenta um ótimo caminho para iniciarmos e encontrar soluções para essas discussões.

Justiça, Michael J. Sandel.
 

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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