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03/02/2022 às 08h00min - Atualizada em 03/02/2022 às 08h00min

Nascer do Sol

IVONE ASSIS
A escritora e jornalista brasileira Dolores Mendes, em seu livro “Ventos e borboletas”, 2021, traz em seu texto “Baú de máscaras” (p. 18): “Passarei esta tarde remendando minhas máscaras. Farei pontos grandes, imperfeitos. Não importa a beleza do conserto neste momento. Ele não será usado por muito tempo. Mas ainda preciso dessas feições [...]”. Pego, em contraponto, Hannah Arendt, em sua obra “Homens em tempos sombrios”, 2010, p. 9, no prefácio que escrevera em 1968, mesmo ano em que a obra tivera sua primeira edição, Arendt diz: “Os tempos sombrios, pelo contrário, não só não são novos, como não constituem uma raridade na história [...], por outro lado, tem a sua bela parcela, passada e presente, de crimes e catástrofes”. Quando olho para o momento presente, em que o Reino Unido desponta no tráfico humano das adolescentes romenas; em que Mianmar, em pleno 2022, troca a democracia por uma guerra civel; em que “forças ocultas” de políticas desvalidas em todo o mundo, se levantam outra vez, para assombrar o mundo; e, por mais que haja dinheiro para investir em políticas, e guerras, e tecnologias e outros, ainda assim, a maior causa mortis mundial continua a ser a fome... não posso deixar de expressar minha indignação com tanta cegueira humana.

Embora seja fato de que o que é inaceitável para mim, pode ser satisfatório para o outro. Pois, recorrendo ao filósofo alemão Lessing, este diz: “todas as paixões, mesmo as mais desagradáveis, são, como paixões, agradáveis”, e com base nessa assertiva frase, podemos entender que o mundo vive um eterno conflito de ideais e medos e, por mais que soe estranho, são esses dois sentimentos que vão alimentando a máquina que move a história. Pensemos, enquanto a maioria luta para se manter viva e vencer a Covid-19 e “aliados”, alguns se esforçam em criar mísseis capazes de destruir nações inteiras, de uma só vez; outros, preferem armas invisíveis, com maior poder de destruição, de modo a passarem despercebidos aos olhos vigilantes, tudo em nome do Poder.

Isso me faz pensar na galinha que “invadiu” o setor de segurança máxima do Pentágono nesta semana. Pode até ter sido uma invasão ocasional, despretensiosa... quem vai saber?! O fato é que ciscar em quintal alheio é contravenção de todo jeito. A galinha foi capturada e se mantém de “bico fechado”, exercendo o seu direito de silêncio, e de falar somente diante de seus advogados, como reza a lei. Mas, com certeza, ela colocou todo o galinheiro em risco, e sob suspeita, pois, agora já se sabe que o galináceo pode, sem pena alguma, bicar em ovos alheios.

Ainda, nessa “mania de perseguição”, o FBI alerta para que os atletas americanos (extensivo aos demais?!) utilizem um celular comprado exclusivamente para as Olimpíadas e Paralimpíadas de Inverno em Pequim, na China, que têm seu início neste dia 4 de fevereiro, porque a ameaça cibernética anda solta, e não há como prever em que poleiro o galo cantará primeiro. Antes e depois da Covid, sempre foi elementar que estejamos alertas às ofertas “mais inocentes” possíveis, porque, como diz minha mãe: “cavalo bom não nasce com estrela na testa”, nem por isso deixaremos de cavalgar, porque o desafio é diário, mas a esperança de dias melhores também.

Desse modo, como escreveu Sylvia Orthof, na obra “Galo, galo, não me calo”, 1992: “No meio da cidade, numa rua de Copacabana, morava uma garota chamada Infância. [...] O quintal tinha uma roseira, um pé de mamona e um poleiro, onde morava um galo. [...] de rabo amarelo e vermelho, muito cheio de pose e belezura, ficava todo feliz quando amanhecia e ele imaginava que, atrás dos edifícios nascia o sol [...]”, e é esta fagulha de esperança que o faz cantar. Ora, o mundo, em seu baú de máscaras, sempre guarda vestígios de tempos sombrios, portanto, cuidemos da infância de hoje, para que ela, entre remendos e imperfeições, não desista do nascer do sol.

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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