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16/12/2021 às 08h00min - Atualizada em 16/12/2021 às 08h00min

Monocular

IVONE ASSIS
Nesta semana, deparei-me com o livro “Se enxerga: transforme desafios em grandes oportunidades para você e outras pessoas”, um título intrigante, com um subtítulo cheio de empatia. Por meio desse livro, descobri a recém-criada Lei 14.126/2021, batizada como Lei Amália Barros, que, não por coincidência, é a autora do “Se enxerga...”. Livro e lei abordam a Visão Monocular. Quantos milhares de brasileiros não são monoculares invisíveis? Cuja invisibilidade os obrigam a uma disputa injusta no espaço da sobrevivência, em que lutam contra os obstáculos físicos e o preconceito. Com a nova lei, essas barreiras diminuem bastante, sobretudo no quesito Saúde Pública. A lei reduz, ainda, os entraves psicossociais, educacionais e profissionais. Em entrevista, Amália Barros narra os empecilhos enfrentados, até que se obtivesse a aprovação dessa lei federal para o monocular. Podemos dizer que 2021 foi um marco histórico neste mundo caolho, que só enxerga a conveniência e a conivência. A escritora Amália Barros abriu portas para toda uma nação, tornando a vida mais justa para os monoculares.

A Lei Federal sancionada dá identidade ao monocular, que passa a compor o CID 10 (Classificação Internacional de Doenças) H54-4. Pode parecer pouco, para quem desconhece a dificuldade que é ser monocular na sociedade, começando pela “falta de espaço” no mundo básico. Existindo juridicamente, o espaço dos monoculares será construído, conforme suas necessidades. Isso me fez lembrar de um senhor que, há uns 15 anos, bateu à porta de meu escritório, pedindo ajuda, porque ele era motorista de caminhão, sofreu um acidente, teve sua carteira de motorista recolhida pelo Detran, por ser declarado incapaz devido a um trauma na cabeça, mas o INSS não o aposentava porque insistia que ele não tinha problema algum. Sem recursos para trabalhar, nem para pagar advogados, tampouco se manter, caiu em dívidas, haja vista que já passavam de três anos sem renda. Lembro-me de que redigi, na cortesia, dois documentos para ele, que seguiu esperançoso para o INSS. Meses depois, quando eu já nem me lembrava daquilo, ele voltou para agradecer, saber se poderia fazer algo por mim, e informar que já havia quitado todas as dívidas, pois, além de estar aposentado, havia recebido o retroativo. Informei-lhe que sim, poderia fazer algo: “Ser feliz e justo, ajudando o outro sempre que possível”.

Então, citando Oswaldo Montenegro, “Que a força do medo que tenho / Não me impeça de ver o que anseio / Que a morte de tudo em que acredito / Não me tape os ouvidos e a boca / Porque metade de mim é o que eu grito / A outra metade é silêncio”.

A jornalista Amália Barros teve Toxoplasmose, o que lhe fez perder um olho aos vinte e poucos anos. Com a remoção do globo ocular adoecido, Amália passou a utilizar uma prótese de acrílico, o popular “olho de vidro”, mas ela estava em busca de Direitos, por isso, não se deteve com as dificuldades, nem tampouco com a ignorância de políticos obtusos e pessoas toscas. Até que, neste ano de 2021, o seu esforço foi recompensado, com a aprovação da citada lei, de autoria do Senador Rogério Carvalho. É um importante início, embora saiba-se que se trata de um mero começo. Muita luta ainda virá pela frente.

A ficção, no cinema e na literatura, sempre buscaram meios de apresentar os monoculares ao público, em uma linguagem lúdica ou não, como o lendário Capitão Gancho; o herói Buck, da Era do Gelo; Xander Harris; a vilã Callisto; o incrível Mike Wazowski, e tantos outros, como Lily Charles, que perdeu o olho em decorrência da limpeza da caixa de areia de seu gato. Todos eles com seus tapa-olhos, mas a vida não é uma ficção, é real e pede ações urgentes. Dentre as causas estão: glaucoma, toxoplasmose, tumores e disfunções da córnea. Pessoas com deficiências não devem ser expostas, e sim, assistidas, por isso Amália Barros instituiu essa luta e combateu bravamente até que a pedra fundamental fosse lançada, por meio da lei que assiste o monocular.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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