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25/11/2021 às 08h00min - Atualizada em 25/11/2021 às 08h00min

Amor, Cortes e Emendas

IVONE ASSIS
Nesta semana, Márcia Franceschi fez o lançamento do livro “Cortes e emendas”, ao lado de amigos e familiares. Aquele auditório do Santa Genoveva ficou lotado de emoção, saberes e saudades. As palavras foram preenchendo os ouvidos, enquanto a literatura ia preenchendo os corações. Dava-se a impressão de que o tempo estava arrematando uma fase que havia sido apenas alinhavada.

“Cortes e emendas” em todo o tempo, fia sua determinação no presente, chamado, pela autora, de “É”, e ampara-se na esperança, fazendo dos acontecimentos uma canção, em que a vida segue de mãos dadas com o amor, pois, compreender a realidade, sem fugas, é encontrar a cura de muitos males: “Os ‘cortes’ são muitos, as ‘emendas’ são mais. Quando Luiz olha para os cortes e enxerga as cicatrizes, as tribulações se tornam mais leves. E ele avança, enamorado com a vida”. (FRANCESCHI, 2021, p. 81).

Bom seria que todas as crianças pudessem viver sua infância plenamente, com saúde e traquinagens, mas a vida escolhe formas diferentes para cada um. No caso de Luiz, o personagem da obra em questão, “Aquele menino de 11 anos, ao receber o diagnóstico de câncer, sentiu-se arremessado do É para o Fim. Por mais que ele tentasse desatar o nó, não conseguia. Sentiu-se pequeno demais” (p. 24). E a vida exigiu-lhe ação e reação. Foi aí que Luiz começou “a fomentar o desejo de lutar pela vida”. A nova realidade fez com que o menino trocasse “a corrida atrás da bola, pela corrida em busca da cura” (p. 26). E foi assim que a radioterapia fez morada em sua vida. Com o tratamento ofertado na década de 1970, o garoto foi penalizado pela brincadeira, porque criança não tem maldade no coração, nem juízo na cabeça. E foi em sua inocência que a placa de chumbo, utilizada no procedimento, se tornou um caminhãozinho. Só não imaginava que este era um caminhão sem freios, descendo a ladeira. Coisa, esta, que o tempo a dirá. Quarenta anos depois, “– Vou no banco de trás, vou deitado [...]. Uma estrada bastante tortuosa” (p. 140), assim como foram tortuosos os caminhos da vida de Luiz, trilhados com tanta resiliência, na certeza de que a cada manhã, o sol desponta no horizonte.

Em sua corrida pela vida, Luiz traçou um caminho entre os corredores do hospital, as rampas do fórum, as aerovias e as estradas, sobretudo as que ficam entre o Mato Grosso e Minas Gerais. Em todas as “viagens”, é o paladar que determina o grau de felicidade, porque Luiz é um amante da boa culinária, mas, quando esta é insuficiente, Luiz se vale de seu excelente humor para provar à vida que estão juntos nesta viagem. Por ocasião de um tratamento, as veias de Luiz começaram a brincar de esconde-esconde com a enfermeira. Vendo que esta suava frio, Luiz, com toda a sua determinação em bem-viver, arranca um humor sabe-se lá de onde, e orienta-a: “– Moça, tenta esta aqui, lembro que ela costuma ser uma veia boa” (p. 154). “O sofrimento e a felicidade são vividos por Luiz, com naturalidade (p. 162).

Pensando em tudo que li, e comparando ao evento presenciado, lembrei-me do poema “Canção”, de Cecília Meireles, em que ela faz uma ode à urgência do amor: “Não te fies do tempo nem da eternidade, / que as nuvens me puxam pelos vestidos / que os ventos me arrastam contra o meu desejo! / Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, / que amanhã morro e não te vejo! // Não demores tão longe, em lugar tão secreto, / nácar de silêncio que o mar comprime, / o lábio, limite do instante absoluto! / Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, / que amanhã eu morro e não te escuto! / Aparece-me agora, que ainda reconheço / a anêmona aberta na tua face / e em redor dos muros o vento inimigo… / Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, / que amanhã eu morro e não te digo…”. Ah, como Cecília sabe das coisas do amor.

Hoje, unindo a narrativa de Márcia Franceschi ao encantamento da poética de Cecília Meireles, compreendo melhor a resiliência de Luiz, e posso dizer que, de fato, a vida segue cheia de Amor, Cortes e Emendas.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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