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03/08/2021 às 09h00min - Atualizada em 03/08/2021 às 09h00min

Lu, o filme

ENZO BANZO
 
"Viu o filme do Lu? Quase caí pra trás". Era o Danislau me chamando no zap. Não tinha visto, mas sabia que o curta do Cristiano Barbosa e do Eduardo Bernardt com o nosso amado Lu de Laurentiz estava estreando na tela da rede, com link disponível por apenas uma hora, corre lá pra ver se dá. Deu. Nu!

Aquele dia era o aniversário de 65 do Lu, o filme gravado no ano anterior, quando fez 64, ecoando a canção dos Beatles. Era aniversário e o Lu gosta de celebrar, já estive com ele em alguns. Uma festa. Lu gosta de celebrar porque festa é a vida, e a vida do Lu é o dia inteiro uma celebração. A casa do Lu, cenário do filme, a casa do Lu é um altar, o dia Lu é um rito à beleza dessa vida. Esteta. Os móveis, as revistas, as imagens por toda parte, os santos saudados num beijo. Lu é a entidade do altar: Dionísio, Oxalá.

Choro entrando na casa do Lu pela lente da câmera, vejo na TV Lu vendo Caetano na TV, Lu trocando áudio no celular, calmaria de uma mente inquieta. A trilha sonora é a especialidade do DJ Lu de Laurentiz, sabe conduzir o som a favor do seu ritual, DJ ogã. Que saudade, Lu, meu amigo! E que profundidade de si mesmo você nos revela, o corpo extensão da casa, a casa extensão do corpo, nu.

Volto pra tela do celular, o Danislau está lá numa janela falando do filme, na outra a Mariana embasbacada, aquele joelho, nu. É como se a gente fosse pro bar depois da catarse de um grande show, é preciso desdobrar aquilo, continuar aquilo, não deixar que acabe, seguir o fio. Lu é transpessoal, comenta o Danislau, ele é todos nós, essa força dionisíaca que por algum motivo sacode o vento de Uberlândia, celebrar o Lu é celebrar essa dimensão de um nós aqui dessas paragens, tudo condensado no apartamento-altar do Lu, flutuando sobre o centro da cidade, janelas abertas, mirante, concreta arquitetura.

Eu digo que Lu é transpessoal e é muito ele mesmo, só o Lu é o Lu, na tela uma personagem perfeita que não saberia interpretar outra personagem que não a si mesmo. A Mariana ali na outra janela, pirando nos móveis, na fotografia, na direção, chorando com a música italiana. Lu é a prova dos nove.

Cristiano Barbosa, Eduardo Bernardt, obrigado por esse momento, meus amigos, tanta saudade da gente que a gente está, e vocês vão logo no fundo daquele que nos representa em síntese, Lu entidade. Passei o mês ruminando vocês, esse mês que ainda nos trouxe o Carlos Segundo, nosso amigo diretor, nos dando orgulho com seu curta em Cannes, já pensou? Foi o Danislau que me chamou no zap: "Rapaz, eu subo o meu instagram e só aparece o Tchê sendo aplaudido no tapete vermelho, você viu?". Tchê dirigiu "Sideral" com seus parceiros de Natal, Rio Grande do Norte, o Tchê não é bobo nem nada, foi pra Natal e de lá pra Cannes, estou doido pra ver seu filme que nos encheu de orgulho, meu amigo. Por um momento até vi você com a medalha de ouro olímpica ao som do Galvão.

Muda a trilha: eu vinha vibrando com o cinema nosso nesse último mês de julho, esse cinema que eu achava que era coisa de americano e que aprendi a ver que era coisa nossa do Brasil, de Uberlândia, ali no projeto Pré-Estreia da madrinha do cinema de Uberlândia, Iara Magalhães, tudo tão perto e nosso. Esse cinema, que tristeza ver a Cinemateca incinerada. Uma vez fui com o Porcas Borboletas tocar na Cinemateca e me senti num templo, era um encontro de Cultura Digital, tudo tão esperançoso, aquele lugar tão vivo, pulsante, ao mesmo tempo em que guardando tudo de uma história em películas. Agora, o descaso, o fogo, o crime deliberado. Assassinato do cinema, da cultura, da gente, é o que querem. Choramos com o fogo, com o crime.

Choramos e não nos conformamos, mas não vamos deixar de saudar a entidade da vida, da arte, da cultura, do cinema. É a nossa reação. Com as forças da entidade Lu, do Cris, do Edu, do Tchê, da Iara, da nossa inquietação dionisíaca que insiste em sobreviver porque a vida é mais e melhor e será.

(Fim do filme. Sobe a letrinha ao som do samba de Gil e Caetano: "e o filme disse: eu quero ser poema, ou mais, quero ser filme e filme-filme, acossado no limite da garganta do diabo, voltar a Atlântida e ultrapassar o eclipse, matar o ovo e ver a vera cruz").



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