Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
15/07/2021 às 08h00min - Atualizada em 15/07/2021 às 08h00min

Sinônimo de acerto

IVONE ASSIS
Assustadoramente, o mundo está doente. Não estou a falar da pandemia, nem mesmo das doenças que lotam os hospitais, mas, sim, de uma doença silenciosa capaz de destruir vidas, uma doença chamada desamor. De repente, um número muito grande de pessoas desaprendeu o que é viver, então trocou o respeito, a empatia, o amor, a felicidade por um sentimento de domínio. A todo instante, o afã de posse resulta na perda da vida de alguém. E cada vez mais, o medo se encarrega de aprisionar pessoas. Os noticiários e os boletins policiais se encarregam dessa estatística.

Imagino que se brincarmos mais com as nossas crianças, teremos uma nova geração mais humana. O convívio da criança equipara-se ao manuseio do lápis, faz o movimento que a mão determina; se a mão traça letras e desenhos com conhecimento, criatividade e atenção tem-se resultados incríveis, lindíssimos; contudo, se ela solta seu furor e ignorância inóspita sobre o pobre lápis, ele só será capaz de rasgar o papel, fazer alguns traços assombrosos, cair em abandono e ser destruído. Observando a violência urbana, é fácil imaginar o cotidiano da criança que um dia habitou aquele adulto.

A infância pede brincadeira, alimentação, sono e higiene. E, graças ao estresse de dias sobrecarregados, é comum alguns desses momentos terminarem em desatino, por desmedida do adulto que tutela a criança, ou por ineficácia do serviço social. Criança confinada a quartos e aparelhos eletrônicos também são fortes candidatas a dessocializações severas. O resultado não poderia ser outro, senão feridas abertas, por desapontamento, com reflexo na violência futura. Criança precisa ser criança, para que exista o adulto saudável.

Rubem Alves, em “A alegria de ensinar” (1994), apresenta uma brincadeira antiga, em que um grupo de crianças promove a socialização por meio de suas brincadeiras, que é assim:

“- Boca de forno! (comandante) / - Forno! (crianças) / - Faz o que eu mando? (comandante) / - Faço! (crianças) / - E se não fizer? (comandante) / - Ganha um bolo! (crianças). – O comandante manda que as crianças corram um quarteirão, ou peguem um objeto de cor vermelha, verde, ou até mesmo objetos que tenham em casa e que possam brincar. Quem chegar por último leva um ‘bolo’ ou paga uma prenda como castigo. A criança que estiver comandando deve ser trocada de três em três tarefas solicitadas”.

Estas respostas podem variar, e as tarefas também, que podem ser bater palmas, fazer e/ou descobrir mímicas, sentar, levantar, pular... e isso é mais brincar ainda. Essa brincadeira simples reflete muito positivamente, psicológica e fisicamente, na vida de qualquer criança, e pode ser realizada em qualquer espaço.

O exercício sonoro da repetição sem sentido pode até beirar o absurdo, mas o eco promovido nas respostas é rítmico e acompanha o desejo de repetição que há na criança, que sempre pede bis nas histórias e brincadeiras. No mundo infantil, a mais dissimulada das ações é a não-ação; a mais absurda das brincadeiras é a não-brincadeira; e a mais inaceitável das repetições é a não-repetição.

Além de a repetição ser uma estratégia de aprendizagem/memorização, nas brincadeiras é também uma boa dose de diversão. Para Ingedore Villaça Koch (1997, p. 93), a repetição promove familiaridade entre o indivíduo e o enunciado [seja na produção textual, seja na socialização]; emoção e repetição são associadas [bem como brincadeira e sujeitos]; impregna condutas e ritos sociais [fazendo aprender brincando. O lúdico se torna ferramenta de ensino].

Desse modo, como nos ensina Freud (1914), sobre o ato de repetir e elaborar, podemos fazer uso de elaborar bem as ações, para que nossos aprendizes repitam nossos acertos e não nossas falhas. Uma vez que o simples repetir não é sinônimo de acerto.


Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
Tags »
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90