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17/06/2021 às 08h00min - Atualizada em 17/06/2021 às 08h00min

Sem medo

IVONE ASSIS
O medo, especialmente, do escuro é um sintoma que afeta a maioria das crianças e grande parte dos adultos. É uma reação emocional que violenta o psicológico, assim como sucede a raiva, o riso e outros sintomas. O medo faz parte da vida, e todos precisam saber domá-lo, para que ele seja um aliado e não um inimigo. O medo, sobretudo na infância, deve ser compreendido e não ignorado. Entre o real e o imaginário as sensações são as mesmas, mas o desfecho vai depender de como será o tratamento da situação. A incompreensão só é capaz de aguçar ainda mais o medo.
 
O medo deve ser um ponto de equilíbrio e não um controlador. No primeiro caso ele fortalece o equilíbrio, no segundo, tira.
 
O psicólogo austríaco judeu-americano Bruno Bettelheim em seu livro “A psicanálise dos contos de fadas” (1980, p. 202) escreve: “A criança em idade escolar frequentemente ainda não pode imaginar que um dia será capaz de enfrentar o mundo sem os pais; por esta razão deseja agarrar-se a eles além do ponto necessário. Precisa aprender a confiar que algum dia dominará os perigos do mundo, mesmo na forma exagerada em que seus medos os retratam, e que se enriquecerá com isto”.
 
Assombros como o “homem do saco”, “a bruxa”, “o monstro”, “a mula sem cabeça”, “o fantasma”, “a mulher de branco”, e o próprio “escuro”, são muito comuns, principalmente porque muitos adultos fazem uso deles para dominar os pequenos. Um erro comum, pois “A criança não encara os perigos existenciais objetivamente, mas de um modo fantasticamente exagerado, que está de acordo com seu medo imaturo – por exemplo, personificado como uma bruxa devoradora de crianças” (BETTELHEIM, 1980, p. 202).
 
Medos assim, se não forem superados, passam a compor uma espécie de psicose infantil, o que é muito prejudicial à criança, que, se não tratada adequadamente, consequentemente terá sua vida adulta afetada.
 
Real e imaginário vivem lado a lado, e devem ser amigos da criança e nunca inimigos, uma vez que os sentimentos de amor, raiva, medo, ideais, tristeza... de uma fase da vida tendem a incorporar a personalidade do indivíduo. Por isso, o cuidado e a atenção devem estar sempre alertos.
 
O próprio brincar e filmes assistidos exercem fortes influências na formação do indivíduo, pois são partes integrantes de seu convívio e imaginário. Nesse ponto, encontramos também a literatura, que influenciará o leitor ou ouvinte, em suas formações, criações e enfrentamentos. Desse modo, compreende-se que o imaginário faz parte da criatividade e ludicidade infantil, e com uma boa orientação jamais se tornará uma psicose na vida adulta.
 
Como escreveu Sartre (1948): “A leitura é um exercício de generosidade; e aquilo que o escritor pede ao leitor não é a aplicação de uma liberdade abstrata, mas a doação de toda a sua pessoa, com suas paixões, suas prevenções, suas simpatias, seu temperamento sexual, sua escala de valores”.
 
Na linha literária infantil e juvenil, os contos de fadas são poderosos. Vejamos, por exemplo, Joãozinho e Maria, quando são enviados à floresta, vão deixando pistas pelo caminho, com medo de perder o contato com os pais, depois são aprisionados pela bruxa e precisam encontrar seus próprios meios de defesa e libertação. Joãozinho e Maria conseguem derrotar a bruxa canibal, na escrita, esse ato pode ser compreendido como a transição do mito para a narrativa. E na interpretação, o conto, sem dúvida, remete ao crescimento da criança e sua independência.
 
Todos os dias, Joãozinhos e Marias saem de casa, em busca de seus sonhos, e ficam à deriva, enfrentam bruxas, sereias, fantasmas, até encontrarem seu próprio caminho, e assim reencontrar suas origens e ter segurança para partir em desbravamento sempre que quiser, no ir e vir que a vida lhes propicia, trilhando sem medo.


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