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30/03/2021 às 08h42min - Atualizada em 30/03/2021 às 08h42min

Deu na Veneta... Animal!

CHICO DE ASSIS
É muito curioso, ou estranho mesmo, perceber como uma parcela de leitores de quadrinhos ainda consideram essa linguagem algo exclusivo do “universo Nerd”. Não saberia precisar o tamanho dessa parcela, mas ela é, de qualquer forma, uma ilha. E em uma terra tridimensional e esférica existe uma enormidade de outros continentes a serem considerados. Histórias em quadrinhos vão muito além de sua face “industrial”, mais visível para desavisados, e de suas muitas vezes monotemáticas e maniqueístas questões.
Nos anos 80 estiveram nas bancas revistas com humor político bastante ácido e muito “sexo, drogas e rock’n roll”, que possivelmente desagradaria hoje a um certo público mais moralista que sobrevoa as redes sociais. Entre as de maior sucesso estão as publicações da “Circo Editorial”: “Chiclete com banana”, “Geraldão” e “Piratas do Tietê”; e a “Animal” da   VHD Diffusion. Essa última chegou às bancas em 1988, trazendo nomes como: Charles Burns, Massimo Mattioli, Martin Veyron, Jano, Stefano Tamburini, Philippe Vuillemin, Pazienza, entre tantos outros que apareciam pela primeira vez para um grande público no Brasil. Além do icônico encarte “MAU” espaço de experimentação gráfica e literária. Termos como: vanguardista, radical e inusitada são frequentemente usados para definir a publicação. Revistas como a espanhola “El Víbora”, a italiana “Frigidaire” e a norte americana “Heavy Metal” são consideradas suas referências. Durando vinte e dois números e mais oito edições especiais a publicação infelizmente se encerra no final de 1991. Aos curiosos ou saudosistas a editora Veneta traz uma nova edição do encarte “MAU” que acompanha gratuitamente a compra de qualquer item de seu catálogo.

Rogério de Campos, ex-vocalista da banda “Crime” e ativista político, foi idealizador e coeditor da “Animal” até aproximadamente o número onze. Posteriormente escreveu sobre quadrinhos e outros temas em publicações como “Folha de São Paulo”, “Bizz” e “SET”. Em 1993 funda, junto com André Forastieri, Cristiane Monti e Renato Yada, a editora inicialmente chamada de “Acme”, em 1998 já como “Editora Conrad” publicam o livro “Comic Book, o novo quadrinho americano” com trabalhos de autores representados pela norte americana “Fantagrafics” como: Daniel, Clowes, Peter Bagge, Gilbert Hernandez e Joe Sacco, mais uma vez nutrindo o mercado editorial brasileiro com uma alimentação saudável e muito mais saborosa do que os habituais enlatados. A “Conrad” foi também uma das principais responsáveis pela difusão dos “Mangás” no país iniciando com a publicação do clássico “Gen, pés descalços”.

A partir de 2012 Rogério de Campos responde com Diretor Editorial pela “Veneta”, que conta em seu catálogo com Robert Crumb, Alan Moore, Milo Manara, Marcello Quintanilha, Cynthia B, Marcelo D’Salete, Juscelino Neco, Ana Luiza Koehler, Wagner Willian e mais uma longa e bela lista de autores, alguns dos quais a editora tem ajudado a levar para além das fronteiras como João Pinheiro e Sirlene Barbosa, premiados em 2019 em Angoulême pelo álbum “Carolina”, sobre a autora de “Quarto de Despejo”. Trouxe de volta a “Coleção Baderna”, de livros sobre, e de ativismo político, e publicou o livro “Imageria”, onde o próprio Rogério busca exumar o cadáver de assentimentos sobre a história das Histórias em Quadrinhos. A “Veneta” se apresenta com a seguinte frase: “Essa editora tem como responsabilidade social desafiar convenções. Os consensos manufaturados, as autoridades em geral e, se necessário, seus leitores.” E o editor confessa: “não entendo de Histórias em Quadrinhos”.

Longe de disseminar conflitos geracionais, nada é mais ridículo do que conversa que se inicia com: “ah, no meu tempo era...”; mas, se há hoje alguma querela, prefiro dividir um trago com velhos anarquistas que com jovens nerds.
 
 


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