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11/03/2021 às 08h35min - Atualizada em 11/03/2021 às 08h35min

Armas que desarmam

IVONE ASSIS
A poesia e a música são duas armas eficazes contra a dor (de várias naturezas). Como não trazer à pauta a inesgotável frase “Carpe diem”, de Horácio, cuja Ode 1, 11 dizia: “Sapias, vina liques, et spatio brevi / spem longam reseces. Dum loquimur fugerit invida / aetas: carpe diem quam minimum credula póstero” (Sê sábia, bebe do vinho, e espere por um curto momento a maior esperança. Enquanto falamos, nos foge o tempo: aproveite o dia, e creia o mínimo no amanhã).

E quem não conhece, por exemplo, a história do Rei Saul, nascido há mais de mil anos antes de Cristo? Saul, atormentado, só se acalmava quando ouvia o som da harpa de Davi.

Em dias tenebrosos como estes que temos atravessado, um pouco de poesia e música caem muito bem. Quando ouço a música de Jack Albernaz, por exemplo, penso no som da harpa de Davi. Albernaz utiliza a sua música para, dentre outras grandezas, levar um pouco de esperança e calma a pessoas em situação de rua. O primeiro apaziguava um rei, o segundo apazigua os súditos. Contudo, ambos têm por objetivo dar esperança, em dias difíceis. Igualmente, o músico kurdo-sirio Gani Mirzo, nesta semana, levou seu violino para a Síria, em busca de amenizar o assombro dos bombardeios. Isso me fez lembrar o clássico “Um violinista no telhado”. Mas, quantos outros momentos, nesta vida, a música e a poesia não foram o oxigênio de alguém?

A poesia, formada por palavras e conceitos, ocupa, tranquilamente, seu espaço no mundo das artes, em sua ilimitada criação e exposição. Embora construída de elementos abstratos, escorada em metáforas, possui sólido acabamento na forma e na ideia de construção, extraídos do abstrato. Ela, a poesia, se fortalece ao apreender seu sistema de ideias (por meios alegóricos) de forma superior, capaz de espelhar a humanidade. A poesia não se perde na exposição da beleza, mas, sim, pauta-se em criar um caminho capaz de levar às possibilidades e às denúncias. Desse modo, é possível se ler o mundo nas poucas palavras de um poema.

De acordo com Arthur Schopenhauer (1788-1860), em sua obra “O mundo como vontade e como representação” (I 218), (tradução, apresentação, notas e índices de Jair Barboza, 2005): “Todos esses domínios, cujo nome comum é ciência”, seguem o “princípio de razão em suas diversas figuras”. Para ele, a arte é o conhecimento que considera apenas o essencial, “não submetido a mudança alguma”, pois a arte “repete as Ideias eternas, apreendidas por pura contemplação, o essencial e permanente dos fenômenos do mundo”, renascendo-se, dia a dia, “como arte plástica, poesia ou música”. Essas ciências têm como origem “o conhecimento das Ideias”, com o propósito único de levar “a comunicação deste conhecimento”. Enquanto a Ciência é infinitamente inacabada, pois a cada resultado tem-se um novo começo, a “arte, ao contrário, encontra em toda parte o seu fim”.

Vejamos uma poesia de Artur da Távola: “O amor maduro... É feito de compreensão, música e mistério. É a forma sublime de ser adulto e a forma adulta de ser sublime e criança. É sol de outono: nítido, mas doce. Luminoso sem ofuscar. Suave, mas definido. Discreto, mas certo. Um sol, que aquece até queimar”. Quanta história em tão poucos versos.

Se eu disser, as casas vazias ainda refletem as máscaras que outrora saltavam de boca em boca, cobrindo os sorrisos que aqueciam os corações, muito provavelmente uns chamarão isso de poesia, outros saberão que estou a chorar por aqueles que foram consumidos pela Covid-19. O fato é que, de um lado, a Ciência faz do todo a sua partícula de investigação, do outro, a arte faz da partícula, o seu todo. A Poesia e a Música são armas que desarmam.


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