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04/03/2021 às 09h13min - Atualizada em 04/03/2021 às 09h13min

A leitura e o leitor

IVONE ASSIS
Eu sou daquelas pessoas que gosta de ler sem predileção. Ou seja, leio pesquisas, romances, poesias, contos, biografias, documentários, bíblia, livros de geografia, direito, psicologia, piadas, quadrinhos, revistas, receitas... e assim vai se formando uma lista interminável de assuntos. Nessa salada de letras, outro dia me deparei com “O arroz de Palma”, de Francisco Azevedo. Autor este que tem, a meu ver, muita semelhança com outro escritor brasileiro, do qual gosto muito, estou a falar do JAX, também carioca. Se colocarmos os dois juntos, em uma mesa literária, o espectador, por certo, dirá que estão presos por laços familiares, de produção, de escrita e cultural. Cada qual em seus traços, predileções, estilo literário, mas com fortes similaridades de saberes em que, olhando um, lembra-se do outro. São coincidências da vida.
 
De volta ao “Arroz de Palma”, obra que só não gostei mais devido à ausência de sumário, detalhe que eu aprecio bastante, quando há capítulos. E considerando que amigos são anjos, que Deus coloca em nosso caminho, para nos ajudar a concretizar sonhos, após ser apresentada a este prato, ou melhor, a esta obra, por meio de uma mensagem de WhatsApp, fui, em seguida, presenteada pelo escritor brasiliense Evandro Valentim de Melo, que, em seu feeling literário, achou de encomendar aos Correios que me trouxessem um exemplar do robusto volume de 366 páginas, da citada obra, que passei a devorar feito banquete de rei, onde come-se um prato enquanto fica de olho no outro, sempre ávido a saber o que está por vir, e sem saber avaliar direito qual é o mais saboroso. Se tivesse que ilustrar esse momento, diria que é sobremesa, de tão gostoso.
 
O livro se abre com o interessante capítulo “Família é prato difícil de preparar”. Considerei propício citá-lo, especialmente, considerando o fato de as famílias estarem mais próximas fisicamente nos últimos 380 dias. E, todos sabem, família reunida é sintoma de assunto inesgotável. É tempero marcante. É prato para todas as ocasiões.
 
O meu “Arroz de Palma” é a 12.ª edição, mas a obra já chegou à 19.ª. Ouso dizer que Francisco Azevedo foi muito feliz na escolha temática. É claro que não basta acertar no tema, é preciso competência e relacionamento, e isso o autor tem de sobra. Porém, quando alego felicidade na escolha do tema é porque a obra aponta para o convívio familiar, temática universal, mas, neste caso, trata-se de uma família comum, com seus gatos no telhado, suas cobras e lagartos, em que o leitor se depara com intrigas, separações e reconciliações, e outros condimentos, que, possivelmente, é uma das particularidades que levaram este prato ao banquete literário que é.
 
O romancista Francisco Azevedo é ex-diplomata, poeta, dramaturgo e roteirista, e “O Arroz de Palma” foi sua estreia no gênero. Como toda boa história, ao ler a linha do tempo deste autor, nota-se que há muito de sua vivência em sua ficção.
 
A obra se inicia com o preparo de um almoço, pelo protagonista/narrador Antonio, um descendente de português que, no auge de seus 88, põe-se de pé ainda de madrugada. E brinca com sua idade, aludindo-a a dois infinitos. E, dizendo que “Família é prato difícil de preparar”, o autor segue escavando saudades.
 
É catando arroz espalhado pelo chão que o autor vai revelando os pontos brilhantes de seu arrozal, em um movimento que podemos chamar de memória ou de psicologia, no qual o narrador se faz passado, presente, futuro, certo de suas saudades, convicto de sua capacidade e lotado de esperanças. Ao narrar sobre a catação de arroz, como presente de casamento, foi inevitável não relembrar uma amiga querida que, ao levar um pacote de arroz de presente de aniversário, foi zoada pelos adeptos das flores, ao que ela respondeu, sem titubear: Acaso, flores enche barriga? Tudo isso são sintomas de amor. Sinais de família. E, assim, como disse Riobaldo, “tudo junto e misturado”, podemos entender família como arroz à grega.


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