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04/02/2021 às 08h00min - Atualizada em 04/02/2021 às 08h00min

Reabastecer

IVONE ASSIS
O compositor e músico Alceu Valença segue cantando “A solidão é fera, a solidão devora / É amiga das horas, prima-irmã do tempo / E faz nossos relógios caminharem lentos / Causando um descompasso no meu coração [...] A solidão dos astros / A solidão da Lua / A solidão da noite / A solidão da rua[...]”. Como advogado que é, digo que Alceu Valença se utilizou da poesia para sentenciar a lógica.
A solidão, este sentimento universal e avassalador, que faz a ronda nas ruas, que invade mentes de todas as idades, e...nascimentos... a solidão, essa doença mutante, que anda lado a lado com o tempo, está sempre à espreita, aguardando oportunidade para atacar. Ela tem pressa em chegar, mas não faz questão de ir embora. Sua intensidade é imprevisível, mas o seu ataque é previsível e evitável, basta abrir os olhos da alma e observar. Às vezes, ver-se atacado é mais difícil, porém se cada um observar o outro, poderá evitar o ataque ao próximo, então, em algum momento, todos nós somos “o próximo”, podendo ajudar e ser ajudado.
Crianças solitárias, com dificuldade em se adaptar com outras crianças, até mesmo no jardim de infância; adultos com dificuldade em se relacionar com o outro; idosos presos ao passado... tudo isso pode ser sintomas de solidão. Mas, com amor e cuidado, para tudo se tem remédio. O poeta Ademar Inácio da Silva, em “Solidão e outras tristezas”, escreve “A ilusão mora na lua, / a paixão no coração; / a aventura nas alturas, / saudade na solidão”.
O fato é que a solidão não mora no corpo, e sim, na mente. Ela vem por muitos caminhos, geralmente atrelada à negação. É importante que estejamos atentos ao estilo de vida, nosso e do nosso entorno. A privacidade é escolha, é solitude; enquanto o isolamento é aprisionamento, é solidão. Nesse último, trata-se de um fio condutor que leva à depressão, doença incompreendida, que tem ceifado tantas vidas. A depressão mantém a pessoa respirando, mas não a deixa viver. É como se exigisse que o paciente assistisse à própria dor. A solidão exige-se notada, por isso ela coloca à percepção de todos a angústia, o vazio, a dor... sentimentos que inibem a motivação, mas também consomem todas as forças da vítima, para que esta não lute. Por isso, devemos sempre cuidar um do outro, para que, encontrando alguém assim, possamos ajudá-lo.
O viver em grupo é importante, as divergências nos tornam ativos na vida, a esses laços chamamos socialização. Quando estamos trabalhando, geralmente, temos pessoas em nosso convívio, mas aos que se encontram em outro nível ocupacional, a solidão pode ser ainda maior, então, quando aposentamos de uma atividade devemos nos inscrever em outra, porque a vida é movimento. A mente é movimento acelerado. Mas a solidão, esta é uma espécie de areia movediça, que vai consumindo aos poucos, até não restar mais nada.
O poeta Joésio Menezes, do Distrito Federal, na obra “Veredas literárias” (2011), escreve: “Sou canoro que voa / Nas asas do pensamento; / Voa livre, sem destino, / À procura do menino / De outrora, sem lamentos. [...] Vivo, hoje, solitário / Entre as grades da prisão, / Mas canto mesmo assim / Pois um dia terá fim / Essa minha solidão”.
Sentir-se não pertencente, sentir-se incompreendido, sentir-se não amado, estar sempre insatisfeito... tudo isso são sintomas de solidão. O amor próprio é o principal remédio, porque a solidão mora dentro do indivíduo, e não nas casas. Mas, sem dúvida, em ambientes cheio de pessoas do bem até a tristeza pede arrego. A solidão é um mecanismo de defesa, porém a alegria é uma engenharia de vitória, mas não só, uma vez que, falta de hormônios no cérebro também provocam grandes desastres emocionais, daí a importância do diálogo e do tratamento, pois estes, com certeza, são fios condutores interligados. Na perfeição da criação humana, já nascemos prontos, mas nos acidentes da vida, precisamos reabastecer.


Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
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