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14/01/2021 às 08h00min - Atualizada em 14/01/2021 às 08h00min

O essencial para se viver

IVONE ASSIS
“Olha como, cortando os leves ares, / Passam do vale ao monte as andorinhas; / Vão pousar na verdura dos palmares, / Que, à tarde, cobre transparente véu; / Voam também como essas avezinhas / Meus sombrios, meus tristes pensamentos; / Zombam da fúria dos contrários ventos, / Fogem da terra, acercam-se do céu. [...] (MACHADO DE ASSIS, 1870)”.

Machado de Assis, em seu poema “Pássaros”, vai descrevendo seus “tristes pensamentos” como se fossem o voo das andorinhas, ave popular conhecida pela sua capacidade de alcançar grandes altitudes e alçar voos inimagináveis.

No inverno, as andorinhas cruzam os oceanos em busca de lugares mais quentes, para criar seus ninhos, chocar seus ovos, aquecer seus lares e gerar seus filhos. Quando acaba a estação fria, está na hora de voltar para casa. Nesta badalada, os bebês já devem estar preparados o suficiente para o longo voo.

Embora sejam tão pequeninas, as andorinhas são valentes como poucos. Elas vão de um extremo ao outro da Terra. Enfrentam os ares. Duelam com a fúria do vento. Contudo não desistem de seu objetivo: migrar no inverno, procriar e voltar para casa, sempre unidos, em família.

Nesse exemplo de família, união e foco, a que chamamos de amor e propósito, o poeta vai atrelando seus pensamentos, que zombeteiam dos “ventos”, os quais pensando derrotá-lo são desafiados e derrotados pela capacidade que tem o poeta de voar e voltar para casa. Enquanto os tristes pensamentos o levam para longe, a doce saudade o traz de volta.

“Vão para aquela estância enamorados, / Os pensamentos de minh'alma ansiosa; / Vão contar-lhe os meus dias gozados / E estas noites de lágrimas e dor. [...] (MACHADO DE ASSIS, 1870)”.

Trata-se de um voo desafiante e fortalecedor, em que a ansiedade lança o poeta de um canto a outro, na escuridão da dor e, tateando nos ares, o poeta reencontra o verbo, e faz o verso que lhe aponta o caminho de volta.

“Na tua fronte pousarão, mimosa, / Como as aves no cimo da palmeira, / Dizendo aos ecos a canção primeira / De um livro escrito pela mão do amor. // Dirão também como conservo ainda / No fundo de minh'alma essa lembrança / De tua imagem vaporosa e linda, / Único alento que me prende aqui // E dirão mais que estrelas de esperança / Enchem a escuridão das noites minhas. / Como sobem ao monte as andorinhas, / Meus pensamentos voam para ti”. (MACHADO DE ASSIS, 1870)”.

O poeta reconhece que o amor é a força que o move, não importa árdua seja a jornada, nem quão distante seja o lugar, ou quão tenebroso seja o caminho. O exílio dói, mas não apaga as lembranças do lar. Ele sabe, maior que qualquer desafio está o querer, maior que qualquer dor é o amor. O poeta leva consigo a certeza de que a volta para casa – para o lugar a que o seu coração pertence – é muito mais rápida e segura do que qual ventura que o cerque.

E se fosse hoje, possivelmente, Machado de Assis poderia estar em acordo com a fala de Olga Curado (2013, p. 16), que diz: “Aprendi, na prática, a contornar obstáculos, distrair as feras, acelerar o passo, parar”. Pois é esta ciência experimental, de vida, que rompe as barreiras do medo, que abala os adversários e pode levar às conquistas almejadas. Mas, se em algum ponto, não for possível atravessar; se, de repente, o vento enfurecer, sabe que haverá a necessidade de apressar ou cessar o passo, contudo, já terá cumprido seu desígnio, porque isso também é parte do voo.

Portanto, não importa o que falem, ou o que pensem os outros, o poeta prefere manter o seu foco, até alcançar o objetivo que habita em sua alma, que inunda o seu ser, porque o fundamental, nesta vida, é alcançar o essencial para se viver.


*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
 
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