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17/09/2020 às 08h00min - Atualizada em 17/09/2020 às 08h00min

Como gostar de ler

IVONE ASSIS
Nesta semana, deparei-me com um pedido, no mínimo, curioso. Alguém solicitava “um livro que o ensinasse a gostar de ler um livro”. Assim mesmo, uma obra que fosse guia de instrução. Não era um pedido para “ler melhor”, “como ler”, “o que ler”... mas, sim, “como gostar de ler”. A pergunta já imprimia a negação que havia nele, ao livro. Na hora, achei um pouco de graça, talvez pelo pedido ser tão inusitado no meio em que estávamos. Então, sugeri-lhe que, primeiro, abrisse os livros e permitisse que os olhos discorressem sobre as linhas, sem pressa e sem obrigações, para ir se acostumando com as letras, com o formato das páginas e afins. Quando se sentisse mais seguro, poderia partir para a escolha do gênero a ser lido. Recomendei-lhe que, de início, optasse por textos curtos, de leituras breves e desembaraçadas, tais como, reflexões, crônicas, poemas... Insisti para que a escolha fosse dos contos curtos, porque este é o tipo de livro em que o leitor pode parar a cada texto, e quando voltar estará sempre no começo de um novo conteúdo. Pode fazer longos e vários intervalos que não perderá sequência. Quando estiver experiente em contos, migrará para a próxima fase. E, assim, sucessivamente, até que se aprenda a gostar de ler.

A própria condição de leitor pedirá a migração. Trata-se de um acesso por absorção, em que o nível mais alto vai convidando o mais baixo, igual ao que acontece nas fases de um jogo. Esse é um processo automático, desde que atrelado à compreensão do conteúdo, o que gera a leitura propícia. Não se trata de enfiar textos goela abaixo, e sim, de ser conquistado pelas histórias.

Sabemos que o prazer da leitura está entrelaçado à sua interpretação, do mesmo modo que a boa escrita emana da boa leitura. Por isso, é tão importante que se pratique a leitura diariamente. Enquanto eu pensava no pedido do colega, uma biblioteca digital me apresentou à obra “A arte de ler”, dos escritores Mortimer J. Adler & Charles Van Doren. Penso que o próximo nível me chamava, porque fiquei curiosa em saber o estava ali dentro daquele “pacotinho”. Eles escrevem voltado para “os leitores que não sabem ler”. Isso mesmo. Ensina que ninguém nasce lendo melhor do que ninguém, mas todos podem se superar, diariamente. E isso não deve ser uma disputa do sujeito com ele mesmo ou com outrem, o que se deve ter é a consciência disso. Lembrei-me da obra “Consciência púrpura”, de Henrique Lomônaco, em que o autor narra a forma com que ele vence a doença todos os dias. Não é um enfrentamento, e sim, um convívio consciente. A vantagem está na clareza com a qual se sabe não poder, ou do porquê não pode. Quando sabemos a causa, diagnosticamos o tratamento.

Para ilustrar, vou citar um trechinho da obra Adler & Doren (1954, p. 12): “Há uma situação em que [homens e mulheres se esforçam] por ler melhor do que o fazem habitualmente. Quando estão amando e recebem uma carta de amor, mostram de que são capazes. Leem cada palavra três vezes, leem nas entrelinhas e nas margens; leem o todo em função das partes e cada parte em função do todo; sensíveis ao contexto e à ambiguidade, à insinuação e às referências, percebem a cor das palavras, o cheiro das frases e o peso das sentenças. Talvez levem em conta até a pontuação. Leem então, como não o terão feito nem antes, nem depois.”

Isso é boa parte do que se diz ler e absorver. É preciso ir além das palavras meramente escritas. Apesar de a publicação citada ser de 1954, os ensinamentos dela continuam vivos na Era Digital e servem para livros (físicos ou digitais), processos, jornais, blogs... 
Como escreveu Mario Sergio Cortella (2017, p. 33): “Fundamental é chegar ao essencial. Contar”. E os “mecanismos de reconhecimento” são sinais “de inteligência estratégica”. Ou seja, acordemos o interesse adormecido dentro de nós. Com este conceitinho básico será fácil saber como gostar de ler.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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