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13/09/2020 às 08h00min - Atualizada em 13/09/2020 às 08h00min

A simplicidade dos prazeres

ÉRIKA MESQUITA

Eu nunca estive interessada em alta gastronomia, nem em glamorizar o vinho. O que me conecta verdadeiramente com a comida e a bebida é o que ela pode nos dar em termos de experiência.

As melhores garfadas e goles que tive não sei se foram nos melhores restaurantes em que pude frequentar.

Precisamente, os que eu me lembro com mais emoção e os que mais me importam foram aqueles ligados a uma memória afetiva, a amigos, ao amor e a instantes no tempo.

Lembro com frequência de brincar de boneca com os milhos recém-colhidos para fazer pamonha, de fazer guerrinha de caroço de manga com a boca toda suja de amarelo, aquela manga madura colhida fresca, que a cada mordida seu suco escorria sujando até os cotovelos.

Sinto em minha memória o cheiro de lenha colocada no fogão a lenha da casa dos meus avós onde teria uma batata doce assando lentamente debaixo das cinzas ... ah!!! E o cheiro de café torrado e moído em moinho preso a mesa de madeira com manivela, esse cheiro nunca sairá da minha memória.

A comida, como já falei anteriormente por aqui, é mais do que nutrientes, vitaminas e minerais para nos manter vivos e saudáveis. Ela é o que conserva viva nossas memórias, que nos reúne em torno da mesa, e também pode nos ofertar a mais pura e intensa satisfação, da maneira mais singela e direta.

Quando vejo as pessoas glamorizando tanto o vinho, o pão que está na moda, mesmo sendo vilão, me remeto a dados históricos e bíblicos onde o vinho e o pão eram ofertados a todos. No Novo Testamento, na ceia em que Cristo despediu-se de seus apóstolos, ele repartiu o pão e serviu o vinho em sua memória. Pão e vinho eram o que de mais simples e despretensioso poderia haver. Um ritual que seus seguidores, mesmo os mais humildes, poderiam repetir. Na passagem das bodas de Caná, o primeiro milagre de Cristo foi transformar água em vinho para que todos, e não apenas alguns escolhidos, continuassem bebendo e festejando.

Por isso, a comida que me faz feliz, não tem nada de complicada e requintada, ela é simples, sem peleja... talvez os italianos, ao contrário dos franceses, fazem isso com maestria.

Trazer o simples com todos os sentidos à mesa. Afinal, não foi em outra língua que se inventou IL DOLCE FAR NIENTE, a expressão que traduz todo aprazível deleite do ócio, e talvez a cozinha italiana, e isso a Alice Gussoni pode nos descrever melhor, pois morou por lá um tempo, seja uma das cozinhas que mais evidenciam o amor pelas coisas simples e puras, os sabores honestos, em que a claridade dos ingredientes brilha mais alto.

Não é apenas a consequência gastronômica que é admirável, mas o modo de enxergar a vida. Cozinhar com simplicidade. Comer com abandono. Viver de prazer e de preguiça.

Dia desses uma cerâmica linda feita pela minha amiga companheira dessa fatia quebrou, e logo ela me compartilhou uma referência.

Essas fotos, trazem com exatidão e perfeição a imponência do simples, a luxúria do ócio e o deslumbramento constante que sinto pelas coisas simples e boas. Nem precisa de receita! Um brinde despretensioso a tudo de mais singelo nessa vida.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 

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