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27/08/2020 às 15h39min - Atualizada em 27/08/2020 às 15h39min

Tempo chamado vida

IVONE ASSIS
Entre a infância e a velhice há um espaço infinito chamado tempo. É nesse espaço, emoldurado pelas idades, que se tece a vida. Cabe ao tecelão o ajuste das passadeiras de linhas, para que a trama fique perfeita. As pessoas são os tecidos em tear, e a beleza de cada um dependerá muito do acabamento recebido. Os tecelões, geralmente, são os pais, a família, os amigos, a escola, a sociedade, o governo...

Desse modo, entende-se o homem como obra inacabada, sempre sujeito a intervenções, qual tela à espera das pinceladas de tinta. Portanto, se o artista vacilar em seu comportamento, sua expressão (ódio, alegria, tristeza... amor) será fixada na pintura, que poderá persistir por toda a vida, a menos que algum artista compadeça de tal arte.

O ser humano é poesia, por isso, quanto melhor o poeta, melhor o poema. Algumas pessoas são versos metrificados; outras são versos brancos. Há os versos livres, as prosas, as trovas, os haicais, as aldravias, os sonetos, os vaivéns e tantos outros. Assim sendo, se o poeta é incauto, inculto, indouto... seu poema – espelho do criador – não conquistará cadência, não terá harmonia nos versos, muito possivelmente será uma composição sem urdidura, com frases desordenadas, incapaz de ser reconhecida em qualquer estilo poético.

Versos Metrificados são as pessoas comedidas, rimadas e escondidas, cumpridoras de normas, tudo na medida. Versos Brancos são aqueles que, embora rimem, não metrificam. São mais superficiais, contudo mantêm as aparências. Guardam alguma beleza. Versos Livres são os indomáveis, sem polimento algum, sua beleza está em sua rusticidade. A Prosa Poética demanda mais tempo e mais compreensão, porque traz, em si, de tudo um pouco. Já a Trova, o Haicai, a Aldravia, o Vaivém são de poucas palavras, e muito conteúdo. Cada qual com sua beleza, conhecimento e ligeireza.

Algumas pessoas se recusam à sua classificação poética e se tornam enigmas. Manoel de Barros, em “Tratado geral das grandezas do ínfimo”, escreve: “A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei. / Meu fado é o de não saber quase tudo. / Sobre o nada eu tenho profundidades. / Não tenho conexões com a realidade. / Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. / Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas). / Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. / Fiquei emocionado. / Sou fraco para elogios”.

Manoel de Barros lança o sujeito na metáfora poética do espaço-tempo, que tece o homem e suas grandezas, na rasura de suas profundidades. A trama urdida será a pele enrugada e encouraçada do infinito, moldada nos palcos da vida, a fim de não perder a lisura que tece a infância do tempo. Desse modo, ao final de espetáculo, almeja-se obter os aplausos daqueles que se encontram por trás das cortinas rasgadas, não pelo tempo, mas pelos olhos esbugalhados, que a tudo observa, esperando a queda daquele que se equilibra na corda bamba da vida, sobre as pontas dos pés.

Miriam Nassif Costa de Mendonça, em seu poema “A bailarina”, da obra “Caminhar lúdico” (2012, p. 56) escreve: “Postura ereta. Com inocência e graça sustentou seu corpo sobre as sapatilhas. Os olhos marejados de lágrimas indisfarçáveis. A bailarina dançou, no exercício das pontas, no palco da vida, dançou para os fantasmas do teatro, para as aranhas escondidas nas cortinas, para os amores perdidos, para os transeuntes apressados. Não houve aplausos, não houve aclamações. Vale a pena o sacrifício? Seu coração sustenido...!”

A poetisa Nassif revela os fantasmas que assombram nos vales do tempo, à espera dos aplausos que não vêm, mas também apresenta a perseverança da bailarina, que não se curva diante das decepções e dos sacrifícios, e assim segue realizando seu projeto, neste tempo chamado vida.




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