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11/08/2020 às 09h22min - Atualizada em 11/08/2020 às 09h22min

As lojas de Quadrinhos

CHICO DE ASSIS
Divulgação
O cenário de edição e distribuição de quadrinhos tem mudado, como quase tudo, de forma muito rápida. Até pelo menos o início do século XXI, grande parte do que circulava da produção nacional nessa linguagem era através de distribuição em bancas e exigiam tiragens excepcionalmente grandes o que de muitas formas inviabilizava o aparecimento de novos autores. Sempre houve, é claro, uma distribuição alternativa, através dos fanzines e outras formas de publicação, com os autores/editores criando uma grande rede de interação e cooperação. O principal nome entre esses alternativos é provavelmente Marcatti, autor de Frauzio entre inúmeros outros títulos, que possui uma “gráfica” em sua própria casa e basicamente produz, edita, imprime, divulga e distribui seu trabalho desde finais dos anos setenta. Quase inacreditável. O esforço pela construção e manutenção desse cenário é digno de aplausos.

O momento que vivemos hoje é sem igual na história das HQs brasileiras em termos de quantidade, qualidade e sobretudo diversidade segundo alguns críticos; ele deve sem dúvida muito a esse cenário anterior, mas o surgimento da internet foi o que possibilitou a um grande público conhecer essa produção que estava de certa forma represada. E se a internet deu musculatura à cena, outros órgãos que ajudaram a construí-la foram eventos tais como o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), de Belo Horizonte, a inclusão da linguagem no PNBE (Programa nacional biblioteca da escola) com aquisição por parte do estado de grandes tiragens e a consequente criação de demanda por profissionais dos quadrinhos, os editais de incentivo à cultura, como o ProAC, de São Paulo, que permitiram vir à luz trabalhos de grande vigor artístico e experimentações que raramente sairiam por uma editora tradicional, e por último, mas não menos importante, o surgimento das lojas de quadrinhos.

Nos Estados Unidos, nos anos 60, as “Head Shops”, lojas que vendiam produtos ligados as drogas psicodélicas, música e quadrinhos underground foram extremamente importantes para a difusão de autores “malditos” como Crumb, por exemplo, Londres tem a icônica Forbidden Planet, entre outras mais “acolhedoras”, Bruxelas tem suas diversas lojas galerias com álbuns de luxo e originais de autores consagrados.

No Brasil, essa cultura das lojas especializadas é mais recente, mas tem feito de forma brilhante uma parte na consolidação do cenário de quadrinhos que não pode ser feita por outros meios, a internet é acessível a quase todos entretanto o volume de informações e a dispersão gerada dificultam o encontro com aquilo que vai cativar nossa sensibilidade, os editais e eventos são... eventuais.  Presencial e permanente, a loja de quadrinhos é nosso templo, aquele lugar onde dividimos ou colocamos a prova nossas crenças. Encontros com autores, debates com críticos e jornalistas especializados, lançamentos de materiais alternativos entre inúmeras atividades de suma importância para a costura e consolidação não apenas de um mercado, mas de uma identidade para o quadrinho nacional.

Os proprietários dessas lojas nas as veem apenas como negócios, muitas vezes são também apaixonados por quadrinhos, e isso faz uma grande diferença. A Ugra, além de organizar encontros, tem seu próprio selo funcionando como uma editora alternativa, a Itiban participa da organização da Bienal de Quadrinhos de Curitiba, a Monstra trouxe ao Brasil o David Lloyd desenhista do V de Vingança. Em Goiânia, temos a Mandrake, entre tantas outras lojas e tantos outros encontros, não apenas no Rio e São Paulo, como antes era praxe. Mas, as coisas têm mudado e muito rapidamente e infelizmente nem sempre pra melhor. A degradação política e econômica que o país tem vivido já há algum tempo, somado à pandemia nesse 2020, deve dificultar muito a sobrevivência de alguns desses espaços. E a internet se por um lado possibilita acesso e visibilidade por outro pode construir um monopólio extremamente nocivo para o mercado editorial como um todo e para os quadrinhos em específico. Continuemos a apoiar nossas lojas, a divulgar seus esforços. Já sobrevivemos a outras tempestades, e ao fim o que sobra e o que salva são sempre a arte e a cultura.





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