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02/07/2020 às 14h55min - Atualizada em 02/07/2020 às 14h55min

“A implosão da mentira”

IVONE ASSIS
Há uma frase do ex-diplomata Mario Vieira de Mello que gosto muito, na qual ele ensina: "o mundo de hoje nos mostra [...] sistemas que, por não respeitarem uma realidade, destroem a ordem, a harmonia, o equilíbrio da alma humana — e assim não são organizados por uma disciplina interna, e sim por um agente exterior, que instrumentaliza os instintos e as paixões, com o intuito de que possam contribuir para o bom funcionamento da sociedade" (Mello, O cidadão, 1997, p. 155-177). A todo instante defrontamo-nos com um assombro resultante de falta de ordem e equilíbrio da alma... e vidas, e projetos, e trabalhos são destruídos, em prol de paixões descabidas. Uma grande parte da sociedade está doente, contaminada pelo ego, absurdamente ofendida com o veneno da ingratidão e da incompreensão, galgam no poder. Pessoas se vendem por coisas mínimas, em vez de olhar para o próximo e enxergar a grandeza que poderia realizar, com mínimas coisas. É preciso crer mais em si, é preciso respeitar mais o outro... Todos nós erramos ora ou outra, mas é preciso olhar no espelho e reconhecer seus erros e corrigi-los. É preciso lutar contra o invisível que nos faz distorcer as razões. Do contrário, haverá uma gaiola de loucos, onde ninguém sobreviverá.

A última quinzena foi recheada de gostos e desgostos no Ministério da Educação. Saiu um ministro e entrou um pretendente. Mas o candidato à vaga saiu antes de entrar. Razão: Mentira. Mas, por que mentir: Falta de autoconfiança e falta de decoro.

Affonso Romano de Sant'Anna, de quem tomei emprestado o título desta Literato, em seu poema "A implosão da mentira", chama a atenção para os males e cegueiras provocados pela mentira. "Mentiram-me. Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma, completamente. E mentem de maneira tão pungente, que acho que mentem sinceramente. Mentem, sobretudo, impune/mente. [...] Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases falam. E desfilam de tal modo nuas que mesmo um cego pode ver a verdade em trapos pelas ruas. [...] Página branca onde escrevo. Único espaço de verdade que me resta. Onde transcrevo o arroubo, a esperança, e onde tarde ou cedo deposito meu espanto e medo". Em uma trilha de ritmos e observação de mundo o poeta descreve seu assombro diante do homem de papel.

Sant'Anna escreveu este poema para fins políticos de uma época, e com o tempo, o poema se ampliou para o sujeito em sua individualidade, nas desrazões do cotidiano. O sistema pede menos penduricalho e mais comida na mesa; menos auxílios e mais igualdade, mais empregos. Melhor que doação é o reconhecimento do trabalho, com salários justos. Para que verba indenizatória e salários absurdos para políticos, sobretudo em um país onde a saúde e a segurança estão no fundo do poço. Que fazem eles para terem tanto? Como escreve Octavio Paz, "O poema não detém o tempo: o contradiz e o transfigura". Pois, como diz Sant'Anna: "Mentem no passado. E no presente passam a mentira a limpo. E no futuro mentem novamente". Com boa Educação, com dignidade salarial e decoro humano, teremos menos população presidiária, menos população hospitalar, menos população indigente. Faltam investimento em conhecimento: literatura, arte, ciência... para a promoção da dignidade humana. A boa formação é necessária em todos os setores, sobretudo no setor político, porque este é o que irá gerir as verbas e as leis do país, administrando juízes, médicos, cientistas, professores...

Nenhum país sobrevive sob a forja da mentira. A mentira é a ausência da verdade. Então, se for para mentir, que se minta para a ambição, a loucura e a morte, para que tenhamos mais condições de realizar boas ações nesta vida. Se for para usar algum furto, que sejam as águas-furtadas dos telhados. E se tiver que copiar algum prefeito, que se copie Luigi Brugnaro, da Itália, que doou todo o seu salário público de mandato, durante 4 anos, para projetos sociais. É preciso compreender a implosão da mentira.



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