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21/05/2020 às 08h37min - Atualizada em 21/05/2020 às 08h37min

Educar brincando

IVONE ASSIS
Brincar é apagar todas as dores e sofrimentos. Brincar é como se bebêssemos alegria, ainda que por um período curto. Quem não gosta de uma boa brincadeira? Quando pequena, fui uma menina destemida. Brincava com as brincadeiras conhecidas, e desafiava-me a inventar outras. Isso me ajudou muito, na vida adulta, para elaborar estratégias sempre que necessário. Foi com coragem e criatividade que enfrentei todos os tornados que passaram em minha vida.

O professor sempre transmitiu o conhecimento, conforme o programa de aula, mas os amiguinhos ensinaram-me a arte de brincar em grupo. Era tão importante nos assentar lado a lado e brincar de adedonha, por exemplo. Aquele jogo, automaticamente, fazia-nos pensar, e nos ensinava língua portuguesa, geografia, ciências, exercícios de memória, caligrafia... porque consistia em lembrar e escrever nomes de frutas, carros, objetos, cidades, animais... com determinada letra, até preencher todas as linhas disponíveis. Em casa, brincávamos com as sombras. Que coisa incrível era aquele brincar! Com ele inventávamos formas, criávamos possibilidades, aprendíamos sobre a perspectiva, a luz, a distância, a ilusão de ótica e tantos outros, porém, brincando. Era um processo pedagógico invisível e muito divertido. Essas definições, só vim perceber depois de grande, quando precisei delas.

O livro “Vocabulário Ambiental Infantojuvenil” (2013), de Otávio Borges Maia, traz 256 páginas de verbetes, abordando, de modo lúdico, a biodiversidade, o clima, a energia e a poluição, a sustentabilidade. A obra é ricamente ilustrada por crianças, representando, visualmente, os verbetes. Ali está uma experiência que aquelas crianças ilustradoras jamais esquecerão. Outro autor que publicou vários livros infantis, com ilustração da própria criança, foi Evandro Valentim de Melo. Estas obras não deixam dúvidas de que aprender brincando é ainda aprender mais.

O imaginário é maior do que nós, e a brincadeira nos ajuda a encontrar soluções, enriquece nossa personalidade e cria, dentro da gente, uma sensação de bem-estar, que a nada se compara. O ato de brincar se aplica a todas as gerações e, infalivelmente, cura muitos males, sobretudo a solidão. Como escreveu Friedrich von Schiller (1759-1805): “O homem só é inteiramente humano quando brinca”.

Verbal ou não verbal, a brincadeira é uma ferramenta de estímulo, capaz de acionar a inteligência da criança por todos os hemisférios. Brinquei muito com os tradicionais esconde-esconde, amarelinha, cobra de meias, cavalo-de-pau, cabra-cega, anelzinho, pular corda, e tantas outras brincadeiras que faziam parte do folclore da minha infância. Câmara Cascudo (1979), em seu dicionário de folclore, definiu o folclore como a “cultura popular, tornada normativa pela tradição” e, enquanto cultura popular, este folclore nos traz muitas brincadeiras, parlendas, adivinhas e cantigas de roda.

Aquelas brincadeiras foram cruciais em meu desenvolvimento intelectual. E, com certeza, continuam sendo. O brincar funciona como um dispositivo de vida. Como mencionou Boris A. Novak: “A infância é a poesia da vida. A poesia é a infância do mundo”.
Sim, a criança em si é toda poesia. Roseana Murray, em seu poema “Pular corda”, escreve: “Se pudesse o menino pularia / corda / com a linha do horizonte, / se deitaria sobre a curvatura / da Terra / para sempre e sempre / saudar o sol, / encheria os bolsos / de terra e girassóis. / Mas chove uma chuva / fina / e o menino vai até a cozinha / fritar ideias”. Penso que, até fritar ideias, pode ser divertido.

A criança brinca com a esperteza do vento, com a frouxidão do luar, com as joaninhas dos jardins, com os pedaços de paus e latas descartados no lixo. A criança não importa se é caro ou barato, se é real ou imaginário, ela quer experimentar a brincadeira, inventar e reinventar.

Tudo se torna mais fácil e prazeroso quando inventamos de educar brincando.



O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
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