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16/05/2020 às 07h57min - Atualizada em 16/05/2020 às 07h57min

A idade da loba

ALICE GUSSONI
MARCEL GUSSONI / DIVULGAÇÃO
Esses dias, ouvi um dos gêmeos, Theo, dizer pro outro que está gostando muito da quarentena. “Se tiver outra, vou fazer!”, disse otimista e decidido. Caio, quase em choque, respondeu em tom agressivo: “Outra quarentena, meu Deus! Qual motivo seria agora? Um Godzilla?”.

Acho que até as crianças sentem as nuances de surrealismo que estamos vivendo. Até elas percebem que a ficção científica, o Palácio do Planalto e Casa Branca viraram roteiros pseudo cinematográficos da nossa vida real.

Mas, uma das coisas mais impactantes da minha quarentena, é completar 40 anos. Isso mesmo, me permito a piada pronta: quarentei na quarentena.

Só mesmo quem passou por esse momento conheceu o furacão mental, psicológico e físico que isso representa. Parte de mim sente muita revolta, porque esse era o momento de sair por aí pedindo colo de mãe, tomando um porre com o pai, o irmão e chamando o abraço coletivo das amigas. Tomar drinks coloridos e fazer um novo corte de cabelo. Provavelmente, me contentarei com uma ida ao supermercado e um dia inteiro comendo uma quantidade de calorias suficientes para matar a fome no mundo. Outra parte de mim sente maravilhamento.

Uma amiga ontem me disse que se chama “a idade da Loba”, e foi como uma porta de entendimento se abrindo, com música de paraíso tocando ao fundo.  Além de ter neutralizado o desconforto inicial desse aniversário. Em um de meus livros preferidos, “Mulheres que correm com os lobos”, a analogia entre a mulher e a loba nos mostra o que existe de mais autêntico no nosso modus operandi. A beleza de perceber que somos compostas ao mesmo tempo de força e doçura, uma dedicação imensurável à nossa matilha, parceiro e filhos. A capacidade de usar os caninos quando for preciso. Nossa mais profunda conexão com a natureza.  

Segundo o Google, dois sentimentos predominam na idade da Loba dos quais me identifico: urgência em realizar sonhos e grande força pra viver com sentido, não se contentar com qualquer bobagem. De uns tempos pra cá, meu lema tem sido uma frase de Benjamin Disraeli: “A vida é curta pra ser pequena”. Essa mesma frase serve pra qualquer situação que você sinceramente não queria viver. A vida é curta pra ficar catando pecinha de lego do chão. A vida é curta pra peneirar farinha. A vida é muito curta pra gastar tempo vendo pronunciamento do presidente falando sobre a vida sexual do filho 04.

A vida também é muito curta pra não poder passar o aniversário com as pessoas que amo. Mas, se eu o fizesse agora, a vida poderia ser mais curta ainda. A loba também tem a virtude de ponderar.

Nesse turbilhão de mudanças, também estou com as lágrimas a flor da pele. Choro por alegria, tristeza, cosquinha. Choro até por ter que peneirar farinha. E parei de pedir desculpa porque estou chorando. Quem não quiser me ver chorando que não me chame pra videoconferência.

Vi no jornal uma entrevista com um senhor, pedreiro desempregado, que não conseguia retirar o auxílio emergencial (vulgo auxílio apocalipse). Esse senhor começou a contar que não comia há três dias, e chorou. Naturalmente eu também. Ao chorar, ele pediu desculpas por chorar. Gritei: “Pede desculpa coisa nenhuma! Vão ter que te engolir!”. Me senti um senhor rabugento insultando a televisão no final do campeonato brasileiro.

Depois vi um vídeo de homenagem de aniversário de uns filhos para uma mãe isolada. Uma história ao mesmo tempo linda e triste, pois um dos filhos tinha morrido. Parecia um pouco a letra de “Pedaço de Mim” do Chico Buarque. A mãe passou o dia do seu aniversário sozinha, com uma camiseta com uma fotografia do rosto do filho que perdeu. Claro que ela chorou, chorei também (chorei de novo enquanto fui escrever sobre isso), e claro que por fim ela pediu desculpa por estar chorando.

O que há de errado com um mundo onde as pessoas pedem desculpa por chorar? Você pede desculpa por furar fila? Por omitir coisas na sua declaração?

Acho que a idade da Loba também é aquela que a gente descobre que, no centro do peito de cada pessoa, existe um templo sagrado.

A vida é muito curta pra não fazer sentido. Pra reprimir emoção. Pra contar calorias.

Pra mim, as horas da vida deveriam ser ocupadas com cachoeiras de afeto. Pessoas se tratando bem, comendo bem, tendo projetos, alegrias. Vivendo uma vida a pleno. Uma vida de verdade. 

E pra celebrar tudo isso com deliciosas fatias de afeto, a receita de hoje é uma oferenda ao nosso próprio templo. Angel Cake, o bolo mais fofo do mundo.
  
Bolo de Anjo com pêssegos caramelizados
 
INGREDIENTES
 
Bolo
 
– 6 claras de ovos
– 1 colher (chá) de extrato de baunilha
– 100 g de açúcar cristal
– 90 g de farinha de trigo
– 60 g de açúcar de confeiteiro
– 1 pitada de sal
 
Pêssegos e Calda
 
-8 pêssegos
– 2 colheres de óleo de coco (ou manteiga)
– 4 colheres de açúcar
– flores de manjericão (ou folhas, se não encontrar)
 
PREPARO
 
Bolo
 
Pré-aqueça o forno a 170ºC. Unte e enfarinhe uma forma com furo no meio (eu usei uma de 22 cm de diâmetro). Bata as claras em neve junto ao extrato de baunilha. Quando começar a ficar firme, fazendo picos moles, coloque o açúcar cristal pouco a pouco, sempre batendo. Vai se formar um merengue bem firme
 e brilhante.
Em uma vasilha misture a farinha com o sal e o açúcar de confeiteiro. Peneire essa mistura sobre o merengue, pouquinho a pouquinho, mexendo com delicadeza. Coloque na forma e leve para assar por cerca de 45 minutos. Finque um palito para ver se está cozido. Retire do forno e deixe esfriar completamente, de preferência sobre uma grade, para depois desenformar.
 
Pêssegos e Calda
 
Corte-os ao meio e retire a semente. Unte uma frigideira com óleo de coco e despeje o açúcar. Coloque os pêssegos com o lado partido virado para baixo, em fogo médio, até caramelizar. Retire os pêssegos, acrescente um pouco de água e as flores do manjericão pra fazer a calda, deixe esfriar. Despeje por cima do bolo. Disponha os pêssegos ao redor do bolo.



O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
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