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02/04/2020 às 08h00min - Atualizada em 02/04/2020 às 08h00min

O ritmo

IVONE ASSIS
O mundo não fala em outra coisa senão a pandemia da Covid-19, e com razão, pois estamos em batalha contra um inimigo invisível e avassalador. Qualquer um que se aproveitar deste processo para angariar benesses estará faltando com o juízo. Por outro lado, em meio à escassez de material de proteção, houve uma força tarefa entre os brasileiros, em prol de ofertar uma solução. Algumas ideias sensatas, outras cômicas, algumas modestas. Não importa, todos querem ajudar por meio de sua criatividade.

André Breton, em seu Manifesto Surrealista, de 1924, enfatizou: “Não é o medo da loucura que nos forçará a largar a bandeira da imaginação”. Breton estava a nos ensinar que a imaginação não tem limites e deve, portanto, ser explorada. O construir e desconstruir imagens faz parte do processo, quem se preocupa com as metamorfoses pode não alcançar o resultado necessário.

Esta absurda tragédia serviu para que as pessoas deixassem um pouco de olhar com o olho externo, este que só enxerga o exterior e o superficial, passando, assim, a enxergar o mundo interior que há dentro do homem, esse mundo feito de sentimentos, ideias, crenças e imaginações. Penso que, se comparado à arte, seria o olho distorcido, recriado por Dalí.

Como nos ensina Foucault (1998, p. 13): “De que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir”.

Jorge Larrosa, em “Tremores” (2003, p. 106), elucida: “As fronteiras, como se sabe, são gigantescos mecanismos de exclusão”. Essa observação nos faz repensar o invisível.

Aproveitei a quarentena para, dentre outras coisas, dar um susto no macuco não notável. Aquele que a limpeza diária deixa escapar. Em uma missão de Sherlock, descobri que o teclado do meu PC ainda guardava as digitais de Pero Vaz de Caminha, quando este escreveu a Carta ao rei de Portugal. A reclusão propiciou-me também um encontro com alguns sonhos que haviam se perdido. Entre uma limpeza e outra, vou falando com Deus, buscando compreensão, deletando fantasmas.

Infelizmente, o resultado deste processo coronavírus será um vale de sal, extraído das lágrimas daqueles que perderam seus entes queridos e nem sequer tiveram o direito de despedida.

Alair Martins, um exemplo mundial de empreendedorismo, em 2003, escreveu: “Acredito que a vida seja passagem e que desempenhamos, cada um de nós, nosso papel, compromissados com as marcas que poderão ficar pelo caminho” (Britto; Wever, 2003, p. 6). Sim, é fato. E penso que não há marca melhor a se deixar gravada do que a marca do amor.

Lendo Luciano Subirá, deparei-me com uma interessante explanação sobre o campeão olímpico Usain Bolt: “Todo corredor depende de três etapas: largada, desenvolvimento e linha de chegada”. (2018, p. 35). Isso serve para nossa corrida diária, diante dos problemas, diante da vida. A largada, às vezes, pode até sair meio tímida, mas o desenvolvimento exige que todos os ajustes sejam feitos, isso é crucial para o resultado na linha de chegada. Geralmente, “as pessoas se voltam para assistência do governo, ao invés de procurar a da família” (James; Jongeward, 1975, p. 88), e, em um processo de abandono, exclusão e rejeição, tem-se fortalecido o enfraquecimento familiar, contudo, esta crise de agora nos fez reencontrar a família, buscar a assistência do lar, priorizar nossas raízes e manter o ritmo.


*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.












 
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