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27/02/2020 às 08h04min - Atualizada em 27/02/2020 às 08h04min

Poesia

IVONE GOMES DE ASSIS

 
A poesia é uma forma de narrar a vida por meio da metáfora e da beleza da palavra. A poesia é capaz de mudar os sentimentos, denunciar a história, falar com a humanidade... Sendo a poesia tão profunda, por que não se aplica a poesia na aprendizagem? O professor Dr. Luís Alexandre Ribeiro Branco, cidadão luso-brasileiro, pronunciou: “Se nossos jovens lessem mais poesias saberiam lidar melhor com seus sentimentos”.

O escritor não deixa dúvidas sobre a sua interpretação de que a poesia atua no psicológico do homem, contribuindo em sua formação. Ao longo de dez anos, tenho observado a escassez da leitura poética no mundo, e também noto o crescimento humano de jovens e crianças que se dedicam a programas de produção e leitura poética. A boa poesia parece ter a capacidade de polir o sujeito e remodelar sua estrutura criativa.

Em uma carta dirigida a Léo d'Orfer, aos 27/06/1884, Mallarmé declara: “A poesia é a expressão, por via da linguagem humana levada ao seu ritmo essencial, do sentido misterioso dos aspectos da existência: ela dota assim de autenticidade nossa permanência neste mundo [...]".

Em que pese a interpretação, é possível notar que Mallarmé compreende a poesia como algo maior, no comportamento humano, como se ela traduzisse o mistério da existência, desvendando os segredos que cochicham entre pensamentos. A poesia tem a capacidade de condensar a história em poucas palavras. A poesia de Leminski, por exemplo, vai além do caráter experimental da escrita, é a forma de o poeta expressar suas experiências diárias. Em depoimento gravado por Carlos Bond, Leminski (1985) afirma: “não existe nenhuma experiência [...] que eu não tenha transformado em poemas e tornado pública através da literatura”. A exemplo de Paulo Leminski, vários poetas contemporâneos exprimem suas emoções por meio de seus versos, alguns ainda no calor da emoção.

Para Roland Barthes, o autor é um sujeito social, feito pela linguagem. Ou seja, o poema, muitas vezes, vai além da estrutura, é a tradução lírica e metafórica de vivências, em que o poeta se beneficia da rima, da liberdade, do ritmo, da linguagem, enfim, de todo o aparato aceito em uma poesia.

O poeta brasileiro Ademar Inácio da Silva, em seu poema “Quando o momento espelha a eternidade”, desnuda-se ao leitor, expondo toda a angústia que invade sua alma em determinado instante de seu viver. Escreve: “Dilatado, envolvente, / o sentimento impregna o momento: / não se negue à tristeza seu glamour, / nem à alegria o fundo de tristeza que a sustenta. / Carente de ecoar-se, / a música suave clama pelo silêncio. / É ele quem fala mais alto ao espírito, / Deus também escuta e aquiesce. / Vibra o coração à lembrança boa, / aperta-o a perda iminente. / [...] os olhos choram por te perder, / [...] a alma implora para que fiques”.

Esse mesmo autor, desalentado pelos desmandos literários que o poeta sofre, minuta: “Cansei-me de ser / a epopeia de Camões, / a garota de Vinicius, / a pedra de Drummond. // Recuso-me navio negreiro, / como me renego fingimento de Pessoa, / a canção desesperada de Neruda / e a lírica voz de Cecília. // Cansei-me de ser luar, / estrelas, / azul / e mar. / Cansei-me de ser amar. // Dispenso dar razão / a erguer de taças, / repudio-me alimento das traças. // Longe de mim ser / o mármore orvalhado / a cobrir a tumba fria. // Já ninguém me abraça, / ninguém me acaricia. / Cansei-me de ser poesia”.

Massaud Moisés (2004) ensina que o lirismo é a manifestação das inquietações emocionais e sentimentais; é o estado natural do Eu para si; é a resposta do poeta aos estímulos externos e internos. Eu, por minha vez, vou contemplando o processo literário que interpreta as batalhas de cada dia e, sem rima, nem métrica, abandono as “estratégias de interpretação” para perder-me nos (di)versos literários, querendo crer que alcançarei uma metodologia de criação e descoberta de sentidos da palavra que permeie a sociedade, rasgada por uma cultura cega, que invoca o silêncio da poesia.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.













 

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