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06/02/2020 às 08h27min - Atualizada em 06/02/2020 às 08h27min

O limite do ser

IVONE ASSIS
Cata-vento, uma forma de bombear as águas passadas.

Em 2019, tive a alegria de conhecer Dilma Marques, autora da obra “Cata-vento: minha rota de cura”. A obra é uma abordagem sobre a Encefalite Autoimune, doença indômita que, absurdamente cruel, mudou para sempre a história de uma mãe. Porém, mães que amam são fortes o suficiente para mudar o curso do vento, e com Dilma Marques não foi diferente. Ela lutou com determinação.
Logo no início, a jornalista Leila Ferreira, prefaciadora do livro, atiça o leitor para a leitura por meio da frase: “Há muito tempo um livro não me comovia tanto. Há muito tempo não aprendia tanto com um livro” (p. 11).

O livro “Cata-vento” é um comovente percurso de dor, superação e aprendizado, em que o leitor conhecerá um pouco sobre o quadro neurológico de um jovem saudável, o qual, de súbito, passou a ter alucinações auditivas, crise convulsiva, fraqueza, perda dos movimentos musculares, tudo isso em fração de minutos. Levado às pressas a um hospital, agravou-se com a confusão mental, que exigiu uma avaliação neurológica mais proeminente, até que foi alcançado o diagnóstico de encefalite autoimune. Doença devastadora, que não poupou aquela família da dor da perda, fazendo com que o circuito da vida fosse compreendido de outra forma, a fim de reencontrar o encantamento e as certezas, quando todos os sintomas apontavam para a desilusão.

A vida está no limiar das incertezas, mas temos duas ferramentas que nos dão perspectivas essenciais: de um lado, a medicina; do outro, a fé. Ambas podem caminhar juntas, fortalecendo o espírito de quem transita em um processo de improbabilidades, em busca da compreensão do inaceitável, cujo resultado pode apresentar quadro de retorno para casa ou viagem sem volta, rumo ao desconhecido. Independentemente do que aconteça, com amor, restará a convicção do dever cumprido e a esperança do amanhã, entretanto, nunca será uma via indolor.

Desse modo, “Cata-vento: minha rota de cura” vem traçando caminhos literários que possam levar ao leitor um pouco da trajetória percorrida por uma mãe, que foi surpreendida com a perda de um fruto de seu ventre, vendo abrir-se o chão a seus pés. O rasgo estendeu-se por toda a família. E, nesta hora, muitas convicções vão embora, mas outras tantas vem ocupar as lacunas.

Lutar contra uma encefalite autoimune é atirar no escuro. Pode ser que o sistema imunológico recobre a consciência e volte a cumprir o seu dever: o de proteger; no entanto, pode ser que ele perca a razão e abra fogo às células aliadas, até que o gigante sucumba. Seja qual for a situação, o TAF (Tratamento, Amor e Fé) é um parceiro essencial nesta jornada.

Cata-vento, em seu papel de renovar as energias, foi a inspiração perfeita para nomear o livro que descreve o indizível, vivido em 112 dias dentro de uma UTI (Unidade de Tratamento Intensivo). Um menino que se fez homem, ali, naquela UTI – “Hoje ele completa 18 anos” (p. 107), disse a mãe –, e com coragem, abriu os braços para uma nova jornada, que só ele conhece. Antes, ensinou, a cada um, a força do amor.

O narrador escreve: “Desculpem não ter passado notícias nestes últimos dias. Como Frederico estava mais acordado, fiquei o tempo todo com ele, portanto, impossibilitada de mandar notícias [...].” (p. 121). Aqui temos uma prova de amor e amizade, sinceros. De fora, aqueles que aguardam as notícias; de dentro, o que promove a notícia. Contudo, a mãe não se descuida de nenhum dos lados.

A madrugada de 05/11/2018 ficou mais solitária. Na despedida, os que ficaram indagavam-se sobre o que fazer de suas certezas? Entretanto, o próprio destino os ensinou.

A coragem que habita um coração cheio de amor não é produto que se mensura, porque está além da capacidade humana. Desse modo, em uma trajetória de cura, a mãe enfrentou suas agruras e, conforme foi moendo suas dores também foi renovando as energias, em um processo de ressignificação, em que a literatura foi seu guia, para buscar encontrar uma rota de cura.




*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.









 
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