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23/01/2020 às 08h31min - Atualizada em 23/01/2020 às 08h31min

Analfabetismo cultural

Ivone Assis
“Liberdade, prudência, coerência e conhecimento caminham juntos. Contudo, se algum deles tentar falar mais alto, sem dúvida, alguém vai se machucar”
 
Ações usam consequências. Fragmentos literários podem conduzir ao fracasso. Esse é o efeito cascata que se tem quando não há interpretação de texto. Faz tempo que o sistema educacional no Brasil vem caminhando na contramão, em todas as esferas. Precisaria de um caderno inteiro para relatar os depoimentos e vivências que já acompanhei. Ainda assim, há quem não se enquadre na realidade e sacrifique os livros, os escritores, as disciplinas, mas não conseguem notar o que verdadeiramente faz falta: a capacitação.

Nem mornou a polêmica da censura de Monteiro Lobato, acusado de racismo, e veio a contestação de “A triste história de Eredegalda”. Não bastasse isso, eclodiu “Vingadores – a cruzada das crianças”. Não estou contra, nem a favor, estou pasma. A batalha pelo poder, em busca de mostrar quem manda, cegou a todos, e o sujeito principal: o leitor, caiu no esquecimento. Liberdade, prudência, coerência e conhecimento caminham juntos. Contudo, se algum deles tentar falar mais alto, sem dúvida, alguém vai se machucar.

Levantou-se uma polêmica sobre as obras de Monteiro Lobato, com infundadas acusações de preconceito racial, enquanto o que o autor faz é história por meio da literatura. Porém, por falta de conhecimento, levantou-se uma guerra, como se a história pudesse ser apagada. O MEC mandou recolher 93 mil exemplares de “Eredegalda” (in: "Enquanto o sono não vem"), que foram pagos com o dinheiro público. O motivo? Inadequação. Então, por que aprovou?

Veio a Bienal 2019 “vingando-se”, e a discussão da obra “Os vingadores” pegou fogo. Mas nem estamos na ponta do iceberg. Esta polêmica existe desde que se inventou o livro. O conhecimento dilacera, mas a falta dele mata. O político e historiador português, do século XIX, Oliveira Martins, ao tecer sua crítica sobre a obra “O reino da mulher”, de Cordelia, declara: “Platão expulsava os poetas da República; eu punha de fora do reino da mulher todos os romances” e, em nota ao Jornal do Comércio, Lisboa (1882), ele assegura: “A mulher sábia é detestável”.

Esta batalha está longe de chegar a um acordo. Afinal, quem ainda não se deu conta de que é a ignorância que leva à destruição? Em 1980 o Ensino Escolar trazia Artes, Religiosidade, Filosofia, Sociologia, Educação para o lar (Laborterapia)... Isso tudo caiu por terra. Em 2018, um governo alegou a falta de necessidade de se ensinar História e Geografia... e demais “autoridades”, desde 2011, vêm lutando para reduzir a carga horária da Matemática e da Língua Portuguesa.

Que nação sobreviverá sem conhecimento? A falta de interpretação de textos há tempos vem sinalizando sua importância no Ministério da Cultura, e nesta semana vivemos um triste episódio de alfabetização funcional, ou seria melhor dizer “analfabetismo histórico-cultural?”. Os grandes líderes, quase sempre, têm uma equipe que redige seus discursos, por isso não sabemos ao certo quando a fala vem do sujeito, ou dos sujeitos. O fato é que mais um ministro da Cultura, desta vez, Roberto Alvim, foi exonerado do cargo por citar inadequadamente um discurso, recorte nazista de Goebbels, mas que, nem foi citado a autoria do “cabra”. Infração dupla, porque houve posse de discurso, coisa mais que comum na “liberdade” contemporânea, estampada em obras de todos os gêneros, em discursos, em redes sociais... Enfim, publicamos algo hoje, amanhã nosso texto viraliza independente na multidão de “autores”.

Nota-se que, leitores de recortes, os quais não se aprofundam na obra, desatentos à história, colhem frases de impacto e, sem dar importância à contextualização, soltam a pérola. Gostaria de mencionar mais alguns retalhos, mas o espaço exige o término, então, invoco Álvaro de Campos (in: Poemas completos, p. 70): “Chega [...] alguma coisa do esquecimento, / Vem [...] a oportunidade da perda. / Adormeço sem dormir, ao relento da vida. // É inútil dizer-me que as ações têm consequências. / É inútil eu saber que as ações usam consequências. [...]”.







*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.









 
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