Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
22/11/2019 às 08h57min - Atualizada em 22/11/2019 às 08h57min

#Preciosas ou o jogo de espelhos das ridículas morais e falsas modéstias (análise de peça do Citu)

JARBAS SIQUEIRA RAMOS

O Circuito Independente do Teatro de Uberlândia (Citu) recebeu nos dias 16 e 17 de novembro o espetáculo “#Preciosas” do Grupontapé. O espetáculo apresenta uma dramaturgia resultante da adaptação realizada por Cacá Brandão e Eduardo Moreira das obras “Preciosas Ridículas” e “Improviso de Versalhes” (originais de Molière), contextualizadas para nosso tempo/espaço. Eduardo Moreira e Katia Lou assinam a direção, encenada por Bia Pantaleão, Breno Maia, Juliana Nazar, Katia Bizinotto e Welerson Filho.

O Grupontapé é um dos mais importantes grupos de teatro da cidade de Uberlândia. Em 2019 completa 25 anos de existência, sendo uma das referências para os artistas locais não apenas como grupo artístico com trajetória consistente e reconhecida para além do Triângulo Mineiro, mas como instituição que contribui significativamente para a formação de novos artistas e para a estruturação desse campo de trabalho. Não é de se admirar que o Grupontapé tenha acolhido o Citu (movimento fundamental para a resistência do teatro em Uberlândia) em sua primeira edição.

A adaptação propõe a história de um grupo de teatro no processo de montagem de seu novo espetáculo e o desafio de colocar em cena uma comédia sobre duas preciosas ridículas do tempo de hoje. Refugiadas em uma academia de ginástica, as duas tramam um golpe por meio de aplicativos de encontros para se tornarem ricas, poderosas e emergentes no mundo da fama. Nesse contexto, elas trazem à tona o universo das Sugar Babies e dos Sugar Daddies, uma nova versão de “relacionamentos” onde uma das partes é sustentada por dinheiro, presentes ou outros benefícios em troca da relação amorosa. A trama segue apresentando um paralelo entre cenas dramáticas da história e cenas do contexto do grupo de teatro, apresentando as dificuldades e desafios do fazer teatral a partir da realidade dos próprios atores que encenam a peça.

Atualizar Molière não é tarefa fácil. Há um ditado que diz “Morrer é fácil, difícil é fazer comédia”. É fato que fazer rir requer uma habilidade especial que muitas vezes parece ser “dom”, algo sobrenatural quem nem todos os artistas dominam. Mas quem disse que a comédia é feita de riso fácil... especialmente aquela proposta por Molière? A comédia é também uma maneira de utilizar a crítica social para descortinar o ridículo do humano e, usando do humor e da ironia, apresentar personagens cujos estereótipos, condutas exageradas, desvios de personalidade, fazem o público rir do outro, mas também de si mesmos. A comédia é um jogo de espelhos das ridículas morais e falsas modéstias que atravessam a sociedade e que nos fazem pensar sobre o nosso lugar no mundo.

A encenação propõe exatamente um jogo com espelhos que transitam pelo espaço cênico da academia de ginástica com a intenção de fazer o público olhar não apenas para a cena, mas para si mesmos. À medida que as preciosas ridículas vão sendo enganadas e os equívocos vão aumentando (característica da comédia), o público se vê convocado a refletir sobre o seu próprio ridículo. Tudo isso é envolvido por uma interpretação cuidadosa que busca acentuar o estereótipo como elemento fundamental para a cena cômica e por uma iluminação que desenha junto com o espetáculo o lugar kitty de nossos tempos.

É um grande alento ver o Grupontapé se lançando a essa experiência. É uma delícia poder compartilhar esse momento e brindar essa data e esse espetáculo. A estrada ainda está por ser caminhada. Vida longa ao Grupontapé... Vida longa ao Citu!

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.









 

Tags »
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90