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12/11/2019 às 08h45min - Atualizada em 12/11/2019 às 08h45min

Muitos egos de Diego

ENZO BANZO

Diego Mascate é goiano de Cuiabá, com um pezinho no Dão. Explico. Nasceu no Mato Grosso mas mora em Senador Canedo (Grande Goiânia), de onde se projetou dentre os novos goianos lá se vão mais de dez anos. É mais ou menos o período em que frequenta Uberlândia, com seu trabalho solo ou nas peripécias da dupla Waldi & Redson, ao lado do Chelo, do Porcas Borboletas e de tantos outros projetos.

Sou seu amigo e parceiro desde então, e desde sempre me provoca a sua mente inquieta. Diego fala e escuta incessantemente, sem tanger as rasuras da trivialidade. Para cada assunto, uma referência a um livro de algum historiador, filósofo ou sociólogo, um disco pouco conhecido dos 60, 70 ou da última sexta.

Se surge alguma ideia que não conhece, abre olhos e ouvidos. Dia desses estava com ele no boteco e, a seu pedido, lhe expliquei um certo conceito dos estudos literários. Quando vi, Diego estava com o celular na minha frente, gravando-me num áudio, não queria esquecer o papo depois da bebedeira.

Também é conhecida entre os amigos a história de quando assistia a um show de Jards Macalé em um teatro, e a moça que estava a seu lado lhe advertiu para que parasse de mandar mensagens durante o show. Tímido gaguejante, Dieguito tentou justificar: fazia anotações sobre as falas e canções no celular. Não queria perder os insights. Um insigth por segundo, ou mais, essa é a meta de Diego de Moraes.

Pois Diego está lançando agora, não um, mais dois discos, sendo o primeiro em sua faceta Mascate ao lado do grupo A Banda de Apoio, e outro com seus óculos de Waldi, junto de Redson. E deve estar preparando mais alguma coisa, com seu grupo Pó de Ser ou em outro projeto de música ou teatro, tudo isso enquanto é professor de História e faz doutorado na UFRJ sobre Tom Zé, CPC e Tropicalismo, e isso tudo em constante envolvimento com o contexto político e cultural que nos desgoverna.

O título do novo trabalho solo, "Na estrada, antes da curva", já é pano pra pensar: o espaço fincado no tempo presente (a estrada) diante do desconhecido imprevisto do tempo futuro (o que a curva esconde). Em consonância com sua persona una multifacetada, o álbum traz um lado A e um lado B de distinção nítida, sendo a primeira parte na estética rock goiano d'A Banda de Apoio, e a segunda no estilo trovador voz e violão.

As tais multifaces mentais são explicitadas na primeira faixa do segundo bloco, "Já pensei". Cantados sobre uma batida binária em certo tom circense, os versos são repetidos por duas vozes gravadas pelo próprio Diego, que soam distintas porque mixadas uma à esquerda e outra à direita, nos dando aquela sensação de termos várias vozes dentro do próprio pensamento: "hoje eu moro/ hoje eu moro/ nessa cabeça perturbada/ nessa cabeça chateada/ na minha mente embriagada/ na minha mente tão grilada/ e dentro do seu coração".

Para fechar o álbum, as vozes de Diego se reúnem na autobiográfica "Vida e Morte de Diego de Moraes". Como "morte", se Diego está vivo em tantos egos? Numa das leituras, o título pode se referir à necessária mudança de nome artístico, de Diego de Moraes para Diego Mascate, quando um cantor homônimo ganhou fama no programa "Ídolos". Mas quem conhece Diego, e quem ouve a canção, sabe da tenebrosa visita que a Morte lhe fez há alguns anos. Ainda me choca a lembrança da foto de Dieguito nas redes sociais com a assustadora tarja "Desaparecido". Mas Diego Aparecido tem mais de sete vidas, sete faces, sete nomes, sete mentes. E sabe: onde quer que esteja a estrada, não há caminho de volta, a curva está sempre à frente, sequência das curvas passadas, e depois de ultrapassada, a curva será a estrada, diante do eterno mistério.


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.






 

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