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03/10/2019 às 08h02min - Atualizada em 03/10/2019 às 08h02min

Viver bem

IVONE GOMES DE ASSIS

Nesta semana comemoramos o Dia do Idoso, e fiquei pensando na grande população idosa que há e na qualidade de vida dessas pessoas. A terceira idade chega quando estamos carregados de vivências, então, por que é tão difícil encontrar espaço para o idoso? O problema não está na idade, mas na competência educacional e social do mundo... também, o problema está em cada um. Aprendi com meu avô materno, o qual completa 101 anos, que nesta vida se pararmos, enferrujamos. Lembro-me dele com 98 anos plantando e colhendo mandioca, gueroba... ativamente. E, em agosto deste ano, a mamãe e ele ainda colheram um restante de sua plantação que havia no lote. Pasmem, tenho foto, uma mandioca da altura do meu avô.

Pensando na máxima do vovô, sobre parar e enferrujar, fiquei lembrando de um senhor que vendia doces lá na rua de casa, em 2008. Ele chegava na esquina da Cesário Alvim, espichava o olho lá em casa e gritava: “Olha o doceeeeeeeeeeeee! Olha o doce! Olha o doceeeeeeeeeeee!” E vinha subindo a rua, parava à porta de casa e mantinha o refrão até que eu o atendesse. Havia dias em que, estando muito atarefada, minha paciência me traía e eu pensava em fingir que não estava ouvindo. É claro que isso só o manteria ali por mais tempo. Não importava se eu ia ou não comprar, ele queria resposta; queria presença.

Hoje, lendo “O velhinho que vendia doces”, do capixaba Lauro Schneider, publicado em “Beleza e Simplicidade”, livro organizado pelo brasiliense Evandro Valentim de Melo, fiquei encantada com a beleza da descrição daquela crônica com cara de conto. O autor narra justamente sobre o vendedor de doces; narra sobre a sua necessidade de pertencer, de estar presente, de atuar... Narra sobre o quão importante é saber e poder viver.

Diverti-me à beça ao ler a angústia da esposa daquele vendedor: “Ele não vende nada. Ele doa tudo pros outros!”. Emocionei ao ler o filho dizer: “aos poucos, comecei a ouvir relatos de amigos, falando com emoção, de como era gostoso o encontro com meu pai. Pra eles, ele representava a alegria”. Aquele vendedor que começou a venda de doces nas ruas, por falta de opção, se tornou mais que um profissional, transformou-se em um amigo. Amigo que levava, além dos doces, a grandeza da amizade e a felicidade em trabalhar. “Questionado pela filha, do risco de estar na rua, além do constrangimento da família, disso: ‘Se eu morrer ali, na rodoviária, morrerei feliz!’”.

Não se tratava do dinheiro, mas da importância de movimentar-se na vida, enfim, ter atividade. É assim que vencemos a maior parte dos problemas, das doenças e tristezas: trabalhando... fazendo algo de que gostamos. Sendo útil. É. Ser útil é abraçar causas que nos satisfazem. É encontrar a paz dentro de nós e fazer aquilo de bom que queremos. É deixar o egoísmo de lado e pensar no amanhã. Há muitas formas de pensar no amanhã. Lembro-me de, junto com meu marido, plantarmos árvores fruteiras em lugares públicos ou fazendas alheias, e pessoas nos questionarem: “Para que isso? Vocês nem comerão de seus frutos”. E daí? Alguém irá usufruir deste trabalho. Fico olhando para os pés de mangas que plantamos na praça, alguns maiores, outros menores... iremos embora e eles estarão ali, dando frutos, fazendo sombra. Falando em manga, no texto do Schneider temos: ele “... se arrastava, querendo ir pra rua, ficar com seus doces debaixo do pé de manga, na cabeça da ponte principal, do qual ele muito se orgulhava em dizer que o plantou, bastante tempo atrás! Hoje, com o pé de manga”, família e amigos guardam a saudade, a lembrança e o exemplo. A sombra das árvores é para todos que forem até elas; quanto aos seus frutos, irão matar a fome de pessoas que jamais descansarão em sua sombra. Os frutos de um esforço são para todos que necessitam dele.

Aprendi, ainda, com o vovô que somos como plantas, florescemos, damos nossos frutos e desfolhamo-nos, para dar lugar a novas folhagens e novas floradas. Mas enquanto for possível, devemos cumprir nosso papel de viver bem.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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