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11/08/2019 às 08h30min - Atualizada em 11/08/2019 às 08h30min

O sabor das memórias

As lembranças muitas vezes vêm acompanhadas dos cinco sentidos.

Quando vasculho as gavetas da memória, vejo que a primeira comida pela qual me apaixonei foi a lasanha. São cenas antigas, mas como se tivessem acontecido hoje. O olfato faz salivar pela nítida imagem da crosta queimadinha da borda, uma suprema combinação defumada de massa, molho de tomate e queijo. O barulho crocante. Em seguida, quase queimar a boca pela pressa de devorar logo o primeiro pedaço e ficar soprando avidamente o calor para fora com a lasanha ainda dentro da boca.

Ao lado da gaveta dessa primeira lembrança, encontrei outra, também muito antiga. Minha prima, sem se dar conta, me serviu um pedaço de lasanha nas costas de um prato. Uma pequena bobagem que foi o suficiente para nos entregarmos a uma gargalhada que durou uma eternidade, aquelas que crianças sabem fazer lindamente. Adoro os sabores das lembranças. Outra coisa pela qual tenho verdadeira paixão são as receitas de família. Se você tiver alguma, vou adorar recebê-la. 

São aquelas memórias que te transportam para um lugar onde você nunca foi, em outro contexto histórico, político e econômico. Onde as receitas usam medidas bem caseiras: um punhado, dois pires, uma mãozada. Quando peço alguma receita para minha vó, é sempre uma viagem no tempo. Acabo sempre sabendo mais sobre a rua onde ela morava ou algum parente do seu passado. Descubro que nas minhas raízes também tinha um índio, alguns italianos, um padeiro, um tropeiro. Descubro que não se faz mais polvilho como antigamente.

Ouvir essas histórias ao lado de uma panela perfumada e borbulhante é um dos autênticos prazeres da vida. Às vezes, são receitas sem receitas, foram feitas “a olho”, em uma grande maestria de conhecer tão bem aqueles ingredientes, que fazem parecer como se eles se misturassem sozinhos. O cozinheiro sente em seu corpo a lembrança daquele gosto. Suas mãos sabem exatamente quanto sal colocar, de qual maneira picar, qual momento ideal para desligar o fogo.

No centro de prática zen budista onde eu cozinhava, tive algumas aulas com uma monja venezuelana que é uma verdadeira maestra na cozinha. Falou sobre como respeitar e honrar a vida de cada ingrediente. Aprender a conversar com eles. Sem roteiro ou receita, orquestrou panelas e ingredientes como se tivessem vida própria. Em um dos pratos que estávamos fazendo, provou uma colherada e me perguntou: O que essa comida está te pedindo? Fiquei paralisada. Nunca dei a oportunidade de ouvir o que uma panelada de abóboras tinha para me pedir. Então ela respondeu: Para mim, elas pedem gengibre e maçã! Fiquei extasiada. Essa lembrança terá sempre gosto de querer saber orquestrar os sabores e ouvir tudo o que eles têm para me dizer.  
  
A receita de hoje faz parte das memórias de um almoço de família. Foi o dia em que descobri que frutas podem virar excelentes tira-gostos.
  
Maçã agridoce
 
Ingredientes para 4 pessoas
– 3 maçãs fuji
– 1 colher de sopa de vinagre balsâmico
– sal
– folhas de salsão e manjericão
 
Preparo
Corte cubos de maçã, acrescente o restante dos ingredientes.
 
Melancia ao tomilho
 
Ingredientes para 4 pessoas
– ¼ de melancia
– 1 colher de sopa de suco e raspas de limão
– sal
– tomilho
 
Preparo
Corte cubos melancia, acrescente o restante dos ingredientes.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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