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01/08/2019 às 07h59min - Atualizada em 01/08/2019 às 07h59min

Gangorras

IVONE GOMES DE ASSIS

Onde está o ponto de equilíbrio? A gangorra é um brinquedo que ilustra muito bem a importância do equilíbrio entre dois extremos. Quando alguém assume a ponta de uma gangorra, leva consigo a certeza do desafio, das dificuldades em se manter de pé e, sobretudo, têm-se a convicção de que é preciso muita flexibilidade para que haja equilíbrio de ambas as partes, haja vista ser ele o sucesso do resultado. É fundamental que se tenha agilidade e bom estado de espírito (até mesmo com o estômago), para imprimir leveza, uma quase “não gravidade”, em um movimento de gangorra, em que além do peso do objeto em si há o peso dos dois participantes, os quais, nem sempre tem as mesmas medidas. Lembrando que o brinquedo só faz sentido se houver duas partes em prol do mesmo objetivo, trata-se de um trabalho em dupla.

Pensando nisso, mas também (e principalmente) no bem-estar das crianças em condição fronteiriça, nesta semana, o renomado arquiteto americano Ronald Rael e sua parceira de trabalho Virginia San Fratello instalaram gangorras no muro da fronteira México / EUA. O brinquedo reforça a máxima empresarial de causa-efeito. Mais que isso, exemplifica o valor e a necessidade de se instaurar o bom-senso na máquina de governos desses dois países, referente à imigração, pois, conforme a Terceira Lei de Newton, toda ação de um lado gera uma consequência do outro.

Essa ressignificação do muro fronteiriço é para as crianças ali presentes um simples brinquedo; para os pais, uma oportunidade de propiciar alegria aos filhos, em busca de amenizar o sofrimento; mas a reflexão vai muito além das estruturas metálicas, ou da ludicidade, ali enxergamos o apelo à confraternização, ao amor, à união, ao bom-senso...

Esta dupla de professores arquitetos-designers, Rael e Fratello, redesenharam a história, nesta segunda-feira, 29 de julho de 2019, iniciando o traço no Texas (El Paso) e concluindo-o na Cuidad Juaréz, no México. Vou chamar este ato de “Elo no meio do limiar migratório trumpiano”, porque acredito que deva ser assim que a população de Sunland Park e Anapra esteja vendo isso. A gangorra aqui representa o diálogo.

A Coletânea de contos & crônicas, da Universidade Federal do Espírito Santo (2015, p. 16-17), traz o escritor/pesquisador e poeta Marcelo Henrique Marques de Souza, o qual apresenta “A gangorra”, em que ele escreve: “Depois de velho, visitava a velha cidade da infância. Digladiava-se em silêncio. Por um lado, tudo tão diferente, o progresso passando a perna nas lembranças; por outro, o contraste que algumas ruas de terra batida resistentes produziam com a distância estrangeira a que se submetera, ao escolher a cidade grande, há mais de três décadas”. O avô “Plantou as sementes e cortou as raízes. Voou, folha de outono, a trair as cercas de casa. Abandonou o ritmo compassado do pequeno lugarejo, para aportar no mar de ilhas nômades da selva urbana. Trocou o povoado solitário pela solidão compartilhada da terra das multidões”. Mas, veio o neto, e o avô “desejava vê-lo andar com as próprias pernas, tropeçar nos próprios impasses, sem o abrigo excessivo de todos aqueles colos. [...] Vais com o vô, dar uma volta na praça. [...] A praça tinha traços do passado e do presente. O coreto permanecia, mas com outra pintura. A velha estátua do poeta ainda servia de palanque ao sarau dos pequenos pássaros [...]. Depois de passear um pouco, avô e neto decidiram, em silêncio, pela gangorra. Uma forma de conciliarem o afã do menino com o cansaço do velho. / Nas grades do horto, insinuava-se uma comprida trepadeira, natureza que insiste, apesar de todo o espaçoso mundo humano. O menino fitou-a com a escada dos olhos, enquanto descia no suave balé da gangorra”. “[...] a vida acaricia, mas também agride”. Por isso, o velho “Conduzia a gangorra com cautela, distância segura dos extremos”.

É nesta brenha de incertezas, circundada pelas grades da cobiça, que os olhos indagam: Onde está o ponto de equilíbrio?


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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