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26/07/2019 às 08h20min - Atualizada em 26/07/2019 às 08h20min

Somos três... não temos ninguém. Enfim sós

EDU SILVA | CENÓGRAFO

Assisti ao espetáculo “Cabaré Só” no último domingo (21), no Teatro da Escola Livre do Grupontapé, na programação do Circuito Independente do Teatro de Uberlândia (Citu), com a Trupe Trifásica, composta pelas atrizes Julia Leão (Gina) e Giovanna Parra (Alca), o ator Victor Marcitelli (Colombo) e as técnicas Camila Ruth (iluminação) e Renata Paixão (sonoplastia).

O grupo apoia sua encenação, muito graciosa, numa das personagens mais antigas da humanidade, que é o palhaço. Está tudo lá: nariz vermelho, roupas desajustadas, objetos que criam dificuldades absurdas, monociclo, desencontros, exageros, piadas ligeiras, comicidade mecânica, embriaguez, gulodice e, de forma enfatizada, a solidão.

Gina, Alca e Colombo passam por vários locais e situações corriqueiras, como esperar o coletivo no ponto de ônibus, servir e ser servido num restaurante, ver televisão em seu apartamento, tomar banho, colocar uma roupa, preparar um jantar romântico etc. Nessas situações nossos “heróis” visam fluir seus conflitos geradores de graça. Não podemos esquecer que palhaços vêm para fazer rir, para gerar estranhamentos, para fazer-nos pensar em como somos humanos e que somos capazes de nos mostrarmos como seres falíveis. Tentamos esconder do mundo como somos ridículos por negarmos essa fragilidade.

Em “Cabaré Só”, todos desdobram-se em situações com esse objetivo, mas com algumas dificuldades. Uma delas é em relação ao conceito de exagero, de entender que o palhaço sempre pode mais, e é o que senti na cena da palhaça Alca, ao vestir seu vestido de casamento. O ápice do conflito é a quebra do zíper, mas até chegar neste ponto é possível executar alguns exageros em tentar fechá-lo, um exemplo seria desenvolver um ritmo crescente para tentar alcançá-lo nas costas, coreografar, brincar com a repetição até se chacoalhar freneticamente e parar ofegando, para só então pedir ajuda ao público. Giovana Parra tem ferramentas para intensificar esse tônus corporal e nos trazer o exagero, mas ainda suaviza demais os arremates das piadas.

Uma outra qualidade que o espetáculo aponta, com possibilidades de extrapolação é o quiproquó: a confusão, as trocas e distrações. Existe um apontamento na peça com as sacolas de feira apresentadas no ponto de ônibus. É possível vislumbrar a confusão se fossem três sacolas, em vez das duas propostas, é certo que deveria haver um estudo da dramaturgia para criar quiproquós favoráveis. Um ótimo exemplo são as possibilidades com as algemas encontradas numa das sacolas e que vão complicar as ações de Colombo. A gente, como público, quer ver mais!

A música deveria ser usada também como pontuação ou propositora do ritmo das ações e não somente como pano de fundo das cenas, ela não se apresenta como linguagem em todos os momentos, pois há uma cena que se apoia muito bem numa rica sonoplastia como a TV, ao passo que não se ouve nenhuma inserção sonora na cena do vestido, cena que pede sons e, não tendo, causa estranhamento em relação às outras da peça.

Gina se apresenta numa cena com muita precisão e jogo com a sonoplastia, é impagável o momento com o miojo e copos furados. Acho que dá para reagir com mais potência no jogo com as chamadas da TV. Colombo também poderia ter um solo, para adensar a cena do restaurante, pois teríamos mais situações para criar empatia com ele.

Por fim, as cenas, criadas separadamente, precisam compor uma linguagem de espetáculo, para envolver definitivamente o público. Potencial, não falta!


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidadedo autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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