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23/07/2019 às 08h47min - Atualizada em 23/07/2019 às 08h47min

As conjugações do verbo partir

NANDO LOPES

Vejo que as coisas mais lindas são apenas empréstimos e o tempo de presença é relativamente curto. Um estalo. Como um piscar de olhos, tudo passa tão depressa até descobrimos não restar tempo algum na presença daqueles que nos são especiais. E para cada bom momento vivido resta somente um vazio que te faz sorrir com menos vontade, te faz alimentar vagas lembranças e saudades.

O verbo partir. Faz-me entender que eu nunca fui bom com despedidas e gostaria de não conjugar este verbo com alguma frequência. Faz-me lembrar de que as boas histórias que vivemos são sempre datadas. Infelizmente. Resta a certeza de que todos estão sujeitos a perder pessoas queridas e sentir intimamente sozinhos, em algum instante da história.

Já faz algum tempo que eu perdi a companhia de um grande amigo que eu sequer sabia que estava doente. Talvez ele tenha optado por poupar os seus melhores amigos de uma despedida. Talvez já não restassem palavras para serem ditas, quando tudo que gostaríamos é que ele pudesse continuar por mais tempo perto de nós. Lembro-me da última vez que nos vimos pessoalmente, quando falávamos trivialidades as quais hoje animam minhas melhores memórias. Naquele dia nos encontramos inesperadamente nas ruas da cidade, ele abriu um sorriso e me disse que, com ele, estava tudo bem.

Passado algum tempo da sua partida, ainda digo todos os dias, a quem venha me perguntar, que as coisas vão indo bem, embora haja dias mais cinzas e as alegrias têm menos cor. Quando alguém diz algo engraçado, olho para o lado pensando que talvez eu ainda possa avistá-lo, como quando gargalhávamos de nossas desventuras empasteladas. É previsível reconhecer um amigo pelas histórias hilárias que vocês têm em comum. Nos dias mais difíceis sinto falta da escuta amiga e dos silêncios sem nenhum julgamento. Daqueles amigos que você crê fazer do mundo um lugar melhor ou, quem sabe, nosso mundo seja melhor quando temos boas pessoas por perto.

Despedi de uma baita amizade que foi fortalecendo no folhear dos dias entre conversas fiadas que tínhamos escorados no portão de casa, quando ali ensaiávamos despedidas e esquecíamos-nos do avançar das horas do relógio. Um dos poucos amigos de longa data que você vê crescer ao longo dos anos, entre banhos de chuvas na praça no fim de tarde e fins de semana conhecendo cachoeiras em torno da cidade. Um amigo que você torce e comemora junto dele cada conquista: vestibular, graduação, especialização ou ainda a conquista de um novo emprego. Um amigo que em cada conversa você confidencia planos mirabolantes e no final diz: “Ainda vamos trabalhar juntos, brother”, sem saber o que o futuro tem a nos reservar.

Um amigo que você vê duas vezes ao ano por morar em cidades diferentes, com o qual você fala uma vez ao mês pela rotina acelerada, mas você sabe que é alguém especial, que pode contar para os melhores e piores momentos. Um amigo que se fez ausente pelas curvas da estrada, a qual suprime as melhores companhias da nossa história. E passado algum tempo da partida inesperada, você segue porque com aquele amigo você aprendeu a viver os seus dias, apesar dos pesares e das perdas.

Há quem diga que a vida é um suspiro. Vivemos atribulados com tantos afazeres que às vezes os seus ciclos são interrompidos e só nos resta dizer “até logo”, “vamos sentir saudades” e “um dia a gente se vê”. Sorte de Deus, dos anjos, do universo e de alguma estrela no infinito, ter agora em sua morada, os bons amigos que um dia tivemos a honra de ter por perto. Sentimos gratos pelo tempo presença ao lado de pessoas queridas, embora algumas partidas tenham deixado os nossos dias um pouco mais pobres de alegrias, sem a mesma graça e os mesmos risos soltos.

Talvez exista um céu particular com jeito de praça onde reencontramos, um dia, nossos melhores amigos. Um lugar que tenha gosto de infância, com cheiro de criança brincando no gramado, em que haja mais esperanças do que dias de saudades. Tomara que possamos reencontrar os bons amigos por lá.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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